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segunda-feira, 19 de março de 2012

O desafio da exploração das florestas

Univesp 

  • O uso sustentável dos recursos florestais é uma tendência, mas o marco regulatório brasileiro ainda inibe investimentos no setor

O Brasil é o país com a maior biodiversidade do planeta, uma riqueza que se estende da Amazônia aos pampas gaúchos, passando pelo Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica. O patrimônio genético que esses ecossistemas concentram, traduzido em mais de 20% das espécies vegetais e animais do mundo, oferece inúmeras possibilidades de exploração econômica. 

A essa diversidade biológica soma-se, ainda, uma vasta diversidade sociocultural, composta por mais de 200 povos indígenas e comunidades tradicionais que detêm conhecimentos valiosos sobre o manejo e a aplicação dos recursos florestais, com potencial para contribuir para a geração de renda, avanços científicos e inovação. 

Essas condições favoráveis estão na mira dos investidores que, movidos pelo crescimento da economia verde, voltam-se cada vez mais para a utilização racional da biodiversidade. Segundo o 4º Relatório Nacional sobre Diversidade Biológica, preparado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), a pressão exercida pela opinião pública, associada a campanhas de organizações não governamentais (ONGs) e ao enrijecimento da fiscalização governamental, levou à redução da produção de madeira ilegal e ao aumento das solicitações de certificação madeireira. “Plantações florestais certificadas já representam 25% da área total de florestas plantadas no país. A tendência de grandes empresas do setor é expandir a produção através de pequenos produtores, colaborando com a inclusão social e melhorando sua imagem comercial”, relata o documento.

E não se trata de um fenômeno restrito às madeireiras. Empresas de segmentos variados estão recorrendo a certificadoras e consultorias ambientais, a fim de adequar seus métodos produtivos aos preceitos da responsabilidade socioambiental. De acordo com o relatório do MMA, “até 2007, mais de 50.000 km2 de florestas brasileiras haviam obtido a certificação do Forest Stewardship Council (FSC) para produtos madeireiros e não madeireiros produzidos a partir de florestas plantadas e nativas”.

Como parte desses esforços de adequação, em 2010, a Natura, a Alcoa, a Vale e o Walmart fundaram o Movimento Empresarial pela Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade (MEB), uma estratégia coletiva para colocar a questão da diversidade biológica na agenda dos executivos. O movimento deu origem à Carta Empresarial pela Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade, assinada por mais de 50 empresas, que estabelece o compromisso voluntário de incorporar, nas estratégias de negócio, os princípios da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), documento promovido pelo Programa Ambiental da Organização das Nações Unidas (do inglês Unep), que estabelece as diretrizes de acesso ao patrimônio genético.

Sustentabilidade na prática

Líder no segmento de cosméticos no Brasil, grande parte do portfólio de produtos da Natura apresenta fórmulas à base de recursos florestais, como cupuaçu, andiroba e açaí. Em 2008, a empresa criou o Programa de Certificação Natura, que integra agricultores familiares e comunidades tradicionais na produção sustentável de insumos de sua cadeia produtiva. Segundo o relatório do MMA, “o programa garante que as matérias-primas usadas na produção de cosméticos são extraídas ou produzidas de forma sustentável e geram benefícios sociais para as comunidades. Em 2008, 54% das matérias-primas de origem vegetal da Natura eram certificadas”. 

Entre empresas menores, pode-se citar o exemplo da Cooperacre, cooperativa que congrega mais de 1.800 famílias acreanas envolvidas em atividades extrativas de baixo impacto ambiental, como a produção de castanha-do-brasil, borracha natural e polpa de frutas. 

Há ainda empreendimentos sustentáveis pouco conhecidos por não atuarem junto aos consumidores finais. É o caso da Centroflora, fabricante de extratos botânicos para as indústrias farmacêutica, cosmética e alimentícia. Os insumos vegetais empregados pela empresa são obtidos a partir de parcerias com agricultores familiares, extrativistas, indígenas e quilombolas, que se dedicam ao manejo florestal e à agricultura orgânica e familiar. Outro caso é o da Orsa Florestal, que produz madeira tropical certificada por meio do manejo florestal sustentável de espécies nativas da Amazônia.

Impasses da legislação

Embora a exploração racional das florestas brasileira seja um nicho de mercado bastante promissor e venha crescendo, o potencial da biodiversidade nacional ainda é pouco aproveitado pelas empresas. Segundo Vanderlan Bolzani, membro da coordenação do Biota-Fapesp – Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo, esse subaproveitamento deve-se, em grande medida, às dificuldades impostas pela legislação de bioprospecção (exploração dos recursos naturais biológicos) do país. 

“O processo de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil se tornou muito burocrático. O marco regulatório emperra o processo de inovação, pois atrapalha o andamento da ciência e inibe os investimentos na biodiversidade. O resultado é que, apesar de deter uma fonte imensa de recursos biológicos, o país não produz praticamente nenhuma matéria-prima de alto valor agregado oriunda da natureza, como substâncias naturais isoladas, que servem de base à indústria farmacêutica. As empresas instaladas aqui preferem importar insumos naturais processados de países como Índia ou China”, lamenta Bolzani.

A pesquisadora refere-se à Medida Provisória (MP) nº 2.186-16, de 2001, que regulamenta o acesso ao patrimônio genético, a proteção do conhecimento tradicional associado a ele e a repartição dos benefícios gerados pela utilização do material biológico entre as diversas partes envolvidas no processo de bioprospecção. 

As críticas à MP são frequentes entre cientistas e empresários, que se queixam principalmente da insegurança jurídica criada no universo da P&D. O clima de insatisfação é tão grande que o Journal of the Brazilian Chemical Society (JBCS), principal publicação de química da América Latina, dedicou o editorial da edição de fevereiro ao assunto. O texto destaca “a falta de clareza nos critérios, a lentidão das decisões e a falta de segurança legal”, questiona as multas e sanções que recaem sobre empresas, universidades e centros de pesquisa, e afirma que os problemas causados pela MP estão levando a economia da biodiversidade brasileira à paralisação.

A própria Natura já foi processada algumas vezes com base na MP, acusada de se apropriar indevidamente do conhecimento tradicional associado a recursos florestais utilizados em seus produtos. A empresa chegou a ser autuada em R$ 21 milhões durante a primeira etapa da Operação Novos Rumos, deflagrada pelo Ibama em 2010, com o objetivo de combater a biopirataria. Naquele ano, 100 instituições de pesquisas e empresas de diversos segmentos, como o farmacêutico, agropecuário e de cosméticos, foram notificadas pelo uso ou coleta ilegal de material biológico. 

Segundo o editorial do JBCS, o saldo da Operação é resultado das inúmeras falhas e omissões da MP, opinião compartilhada por Bolzani. A pesquisadora acredita na necessidade de uma legislação para regular o acesso à biodiversidade e aos conhecimentos associados a ela, mas enfatiza que “a lei precisa ser simples, ágil e eficiente, e não ‘um tiro no pé’ de quem quer produzir conhecimento sobre os organismos dos ambientes tropicais, ainda poucos estudados, ou fazer pesquisa química/farmacológica para a utilização do patrimônio genético na geração de riqueza e inovação”.

Aspectos positivos

Mas há quem defenda o marco regulatório brasileiro. Para Enio Rezende, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Ambiente, Sociedade e Sustentabilidade da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), trata-se da legislação mais avançada do mundo no que diz respeito aos princípios da CDB. “Nossa legislação se destaca por reconhecer a importância do material biológico e do conhecimento a eles associado para o desenvolvimento de produtos e o progresso da ciência”, diz. 

De acordo com o pesquisador, o Brasil ocupa uma posição estratégica na exploração dos recursos florestais, por reunir três fatores fundamentais: a maior biodiversidade do mundo; uma indústria bem estabelecida e com capacidade de pesquisa e inovação; e um mercado consumidor forte. Essa conjunção de fatores implicaria um esforço de regulamentação e fiscalização maior que o necessário em outros lugares, o que justificaria as particularidades e a rigidez do marco regulatório nacional. “A especificidade do caso brasileiro não nos deixa outra opção. O desafio é muito maior para a gente que para países desenvolvidos, como os da Europa, que detêm uma indústria forte, um mercado amplo, mas não dispõem de biodiversidade; ou para países pouco desenvolvidos, como a Costa Rica, que detém muita biodiversidade, mas não dispõe de uma indústria desenvolvida nem de capacidade de pesquisa”, afirma. 

Rezende reconhece que a MP apresenta falhas, mas ressalta que é o embate entre os diversos grupos envolvidos no processo de bioprospecção – empresários, cientistas, ambientalistas, comunidades locais, entre outros – o grande responsável por impedir que a MP seja aperfeiçoada e se transforme em lei. “É preciso avançar para além dos interesses particulares implicados na gestão do conhecimento tradicional e do patrimônio genético. Só assim será possível identificar as reais limitações da MP e aprimorar o marco regulatório brasileiro”, finaliza. 

  • A riqueza invisível das florestas

As florestas brasileiras são admiradas pela beleza e diversidade de sua fauna e flora. Mas pouco se fala sobre sua riqueza invisível, oculta no nível molecular do patrimônio genético, longe do alcance da visão humana. Trata-se das substâncias bioativas, isto é, substâncias com potencial de ação metabólica ou fisiológica, que compõem um vasto campo de exploração para a indústria farmacêutica. 

Conforme Vanderlan Bolzani, membro da coordenação do Biota-Fapesp, as biomoléculas presentes nas florestas são tão importantes porque foram produzidas ao longo do processo de evolução da fauna e da flora, a partir de reações extremamente complexas, as quais permitiram aos organismos se adaptarem às condições da Terra. “A biodiversidade é uma fonte inesgotável de modelos moleculares que o cérebro humano é incapaz de idealizar. Investigar esses modelos permite identificar possíveis aplicações para as substâncias bioativas e viabilizar sua utilização na fabricação de produtos com alto valor agregado, especialmente medicamentos”, explica a pesquisadora. 

Bolzani destaca ainda que a atividade de P&D ligada às biomoléculas garante a sustentabilidade das florestas, pois não requer a destruição do material biológico, como costuma acontecer no extrativismo. “Com uma folha, é possível saber absolutamente tudo que tem dentro de uma planta, viabilizar a síntese de substâncias e fazer descobertas fundamentais para a ciência de base e a inovação”, conclui.


Por Flávia Dourado 
pré-Univesp

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