Diretora registra luta pela terra na Amazônia
O Brasil está com a economia em plena ascensão enquanto os países europeus e os Estados Unidos se viram com a crise financeira. Vai sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas, dois dos principais eventos esportivos mundiais. E vai se tornar um dos maiores exportadores de petróleo do planeta após a descoberta do pré-sal. Aparentemente, já estamos no “Primeiro Mundo”. Mas a verdade é que, longe do litoral, o país ainda enfrenta problemas típicos do Terceiro Mundo, como a questão da posse da terra.
Índios, fazendeiros, posseiros, grileiros e movimentos sociais travam uma verdadeira batalha nas regiões do Centro-Oeste e Norte do país. Essa guerra, que já dura décadas e vem tirando cada vez mais vidas e desmatando a região amazônica, é o tema do documentário “Vale dos Esquecidos”. Dirigido por Maria Raduan, o filme estreou nesta sexta-feira (20/4) em São Paulo e no Rio de Janeiro, após passar por alguns festivais nacionais e internacionais.
“A história de ‘Vale dos Esquecidos’ é igual a tantas outras na Amazônia, os personagens são sempre os mesmos”, lamenta a diretora, em entrevista exclusiva à Pipoca Moderna. “A ideia foi mostrar um microcosmo que representa a Amazônia e todo o ‘interiorzão’ do Brasil”, definiu.
A cineasta Maria Raduan conta que o filme surgiu inicialmente com a proposta de expor a história dos índios Xavante, que vivem na região, e sua situação diante da luta por seu espaço, mas logo de cara ela viu que o buraco era ainda maior e mais embaixo.
A Fazenda Suiá-Missú, no Mato Grosso, já foi considerada o maior latifúndio do mundo, ocupando uma área equivalente a 252 vezes a ilha de Manhattan (Nova York), mas tem sido constantemente tomada por diferentes grupos: índios já foram expulsos, grileiros se apropriam com interesse comercial, fazendeiros apresentam documentos de compra que não são reconhecidos pelo Ministério Público Federal e organizações poderosas também se interessam pelo local para o desenvolvimento da agropecuária.
A situação é caótica e mesmo o Estado Brasileiro não consegue (ou não quer) resolvê-la: desde 2010, a Justiça Federal determinou que a região é uma área indígena, porém os outros ocupantes se recusam a abandonar o local.
Para discutir sobre o assunto, Maria resolveu fazer uma “radiografia” cinematográfica, realizando uma complexa pesquisa com fotos, áudios e imagens, além de recolher depoimentos de todas as partes envolvidas.
“Desde a concepção do projeto, quis adotar uma postura de isenção, quis apresentar a história e seus diversos lados. E todo o esforço de montagem do filme é para que o espectador tenha elementos para entender o contexto historicamente e fazer algum julgamento, se lhe convier”, explicou a diretora.
Desta forma, ela deu voz a representantes dos grupos que reivindicam o local, uma cacofonia babélica que destaca Dom Pedro Casaldáliga, bispo duas vezes indicado ao Prêmio Nobel, o cacique Damião Paridzané, o líder Xavante Marawãtsède, o fazendeiro John Carter, o político Filemon Limoeiro, o posseiro Neto Figueiredo e a líder dos sem-terra Rosa Silva.
É um cabo de guerra com vários lados, geralmente tratado de forma superficial pela grande mídia. E para juntar suas pontas, a diretora precisou enfrentar inúmeras dificuldades, desde o acesso e locomoção na região, além das forças da natureza e a comunicação com todos os envolvidos. “É um assunto que incomoda”, ela lembra, “e os próprios entrevistados são relutantes para falar”.
Ainda assim, Maria encarou a situação e o resultado, “Vale dos Esquecidos”, é sua estreia na direção de um longa-metragem – ela já trabalha há anos com audiovisual, mas só havia realizado curtas. E para fazer justiça ao projeto, ela se cercou de profissionais experientes. Felipe Braga (roteirista da série televisiva “Mandrake” e do filme “Cabeça a Prêmio”) assinou o roteiro ao lado de diretora. A direção de fotografia contou com o alemão, radicado no Brasil há quase duas décadas, Sylvestre Campe (“O Homem Pode Voar”). E a montagem foi feita por Jordana Berg, frequente colaboradora do documentarista Eduardo Coutinho (“Jogo de Cena”).
A opção pelo tema árido tampouco se baseou em inexperiência. Ao contrário, deve-se a ela ter passado grande parte da infância no interior e ver de perto as disputas de terra. Maria é testemunha ocular de como o desmatamento cresce a níveis assustadores no país.

“Acho que a questão ambiental está cada vez mais em voga. A disputa de terras em alguma instância tem muito a ver com este tema. O futuro da Amazônia tem muito a ver com estas questões”, declarou. E o cinema nacional parece estar de olho nessa situação e vem abordando com frequência o drama dos indígenas, a violência causada pelas disputas territoriais, a exploração mineral e a derrubada ilegal de árvores na Floresta Amazônica.
“Vale dos Esquecidos” é o mais direto, mas não é o único documentário a abordar o tema. Um dos pioneiros a levantar a questão foi “Nas Terras do Bem-Virá” (2007, de Alexandre Rampazzo), que também apontou os constantes crimes da região, como o Massacre de Eldorado dos Carajás, no qual 19 sem-terras foram mortos, e o assassinato da Irmã Dorothy Stang.

O assunto também vem aparecendo com frequência na ficção e em produções de grande porte, como “Xingu”, de Cao Hamburguer, sobre a luta dos irmãos Villas-Bôas pela instituição do famoso parque nacional indígena. “Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios”, de Beto Brant e Renato Ciasca, que também estreia nesta sexta (20/4), traz novamente a região como cenário.
Em 2013, duas produções sobre o tema devem chegar ao grande público. Heitor Dhalia (“O Cheiro do Ralo”) pretende abordar o mais conhecido garimpo do Brasil em “Serra Pelada”, com Wagner Moura (“Tropa de Elite”) no elenco, e a riqueza da floresta tropical será tema da megaprodução “Amazônia – Planeta Verde”, filmada inteiramente em 3D ao custo de R$ 30 milhões. O filme é uma coprodução com a França e o roteiro é de Luiz Bolognesi (“Bicho de Sete Cabeças”). Também estão previstas as adaptações dos livros “Órfãos do Eldorado” e “Relato de um Certo Oriente”, ambos do escritor Milton Hatoum. O diretor Guilherme Coelho (“Fala Tu”) está envolvido com o primeiro título, enquanto Marcelo Gomes (“Cinema, Aspirinas e Urubus”) deve dirigir o segundo.

A própria Maria Raduan pretende refletir um pouco mais o tema em seu próximo projeto, que irá pretende analisar o impacto do gado zebu na pecuária e na economia do Brasil, a partir de sua vinda da Índia, no século passado – sabe-se que um dos grandes causadores do desmatamento na Amazônia é o avanço da agropecuária na região.
Enquanto o governo brasileiro se empenha em conquistar para o Brasil um lugar de mais destaque no mundo, o cinema nacional ajuda a lembrar que o dever de casa nem sequer foi iniciado. Longe das capitais, o clima é mais Velho Oeste que País do Futuro, com ou sem aprovação do novo Código Florestal.

Quando assisti ao filme "O Vale dos Esquecidos", não tive dúvidas....as terras pertencem aos índios....
ResponderExcluirBaixar o Documentário - Vale dos Esquecidos - http://mcaf.ee/4bxe9
ResponderExcluir