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sábado, 8 de setembro de 2012

Palmito-juçara: o negócio dos índios

Índio Guarani corta palmeira-juçara - Especial Guardiões do Sabor

Na falta de palmeira-juçara na floresta, os guaranis do Litoral Norte de São Paulo decidiram criar seu próprio palmital

A juçara é uma palmeira nativa da Mata Atlântica, semelhante ao açaí. Na natureza, seus frutos servem de alimento a mais de 70 espécies animais

Dois ou três golpes de machado e já era: em menos de cinco minutos, lá se vão dez anos de árvore. Fosse outra palmeira, como pupunha ou açaí, em pouco tempo brotava outra no lugar. Mas não a juçara: cada caule cortado é uma a menos na mata. Sua sobrevida se limitará a um tolete de não mais que meio metro de comprimento ou um pote de palmito em conserva, a serem consumidos com a mesma rapidez com que a árvore tombou. Talvez mais.

Palmito, para quem não sabe, é o nome que se dá à extremidade do caule próxima à copa de algumas espécies de palmeira. O de várias é comestível, mas nenhum é tão tenro e saboroso quanto o da juçara. Logo ela, que não “perfilha”, como se diz. Ou seja, não gera novos brotos depois de cortada, como a pupunha ou o açaí.

Índio Guarani em palmeira-juçara - Especial Guardiões do Sabor

Imagine, então, o estrago de quase seis décadas de exploração comercial predatória pela indústria de conservas nas florestas litorâneas do Sudeste. Some o fato de que a juçara é uma palmeira exclusiva da Mata Atlântica – que já quase não sobra no país – e você entenderá por que nos bufês a quilo o palmito da juçara foi sistematicamente substituído pelo da pupunha. Quando não foi, é cultivado (e é caro) ou ilegal.

Hoje a palmeira-juçara é uma espécie ameaçada. Em estado natural, limita-se a áreas isoladas do litoral paulista e a algumas poucas unidades de conservação – e mesmo essas também não são lá muita garantia de proteção. É bem sabida a ação de centenas de palmiteiros clandestinos, que passam dias acampados dentro da área de parques nacionais cortando juçaras e processando o palmito da maneira menos higiência possível. Só no estado de São Paulo, calcula-se que pelo menos 50 toneladas de palmito de juçara sejam vendidas ilegalmente. Isso equivale a aproximadamente 75 mil palmeiras no chão.

No Litoral Norte de São Paulo, os primeiros a sentir o sumiço da juçara foram os índios guarani, consumidores do palmito desde muito antes da chegada das conservas. É palmeira da maior importância para eles, pois dela não só tiram o alimento como ainda aproveitam o caule e as folhas para a construção de casas. Também é complemento de renda familiar desde a década de 1970, quando a construção da Rodovia Rio-Santos aumentou o fluxo de turistas e levou dezenas de índios a vender toletes de palmito na beira do acostamento.

Palmito-juçara na beira da Rodovia Rio-Santos, em São Paulo - Especial Guardiões do Sabor

A estrada trouxe um novo mercado consumidor, mas também a especulação imobiliária. Aí, além da juçara que já rareava por conta da exploração comercial, também a floresta capitulou diante da proliferação de condomínios e casas de veraneio. Resultado: a palmeira, que já era pouca, quase sumiu da vida dos guarani. “A gente tinha que ir cada vez mais longe na mata buscar palmito”, lembra Adolfo Timótio, cacique da aldeia situada na Terra Indígena Ribeirão Silveira, na divisa de Bertioga e São Sebastião. E, quando encontrava, não raro era uma árvore jovem, de caule fino e pouco rentável.

Adolfo conta que a pressão sobre o território guarani favoreceu a criação da reserva em 1987 – primeiro com 948 hectares de área, depois ampliada para 8.500 em 2011 –, mas não resolveu o problema da escassez de juçara. Então, numa manobra inédita, os índios do Ribeirão Silveira anteciparam-se à lei ambiental e estabeleceram, eles mesmos, cotas de extração para cada família. E, mais importante, procuraram assegurar o futuro das gerações seguintes criando seu próprio palmital. Aos poucos, deixaram de ser coletores para se tornarem produtores.

Índios Guarani comendo palmito-juçara - Especial Guardiões do Sabor

Em meados dos anos 1990, os guarani começaram a plantar pés de juçara no quintal de suas casas, tal como brotavam na mata, misturados à vegetação original. É o que tecnicamente se conhece como “agrofloresta”, uma forma de conciliar o cultivo agrícola à preservação da mata nativa. Isto se aplica perfeitamente à juçara, já que se trata de uma espécie que exige umidade para germinar e sombra para crescer. Ou seja, dispensa o desmatamento. “A juçara não gosta de ficar fora da floresta”, comenta Maurício Fonseca, coordenador da Fortaleza Slow Food do Palmito Juçara junto com o cacique Adolfo.

O plantio no início se fazia de maneira um tanto empírica, sem muito refinamento no manejo. E ainda era misturado à produção de pupunha e açaí, espécies amazônicas cujo cultivo fora estimulado pela Funai na época, como alternativa à juçara. Como estas são plantas mais produtivas, porém, acabaram por dominar os quintais guaranis. Em 2004, quando a fundação Slow Food criou a Fortaleza do Palmito Juçara, menos de um quarto das palmeiras plantadas na reserva eram nativas.

Nesse sentido, a criação da Fortaleza foi crucial, já que o programa permite captar recursos financeiros para estimular a produção de um alimento ameaçado de extinção. A Slow Food coordenou diversas ações na reserva, mas talvez a mais importante tenha sido o inventário realizado em 2008, quando dezenas de índios foram mobilizados para medir, numerar e identificar as juçaras que cresciam em seus quintais. E o que se descobriu foi revelador: a incidência estava bem abaixo do que a legislação exige para um plano de manejo. Pela lei, por exemplo, deveria haver no mínimo 3 mil palmeiras jovens por hectare. Na época, os guaranis tinham plantadas pouco mais de 400.


Palmito-juçara: à moda guarani

Índios Guarani em aldeia na divisa de Bertioga e São Sebastião, em São Paulo

Três são as maneiras com que os guaranis tradicionalmente comem o palmito de juçara – e nenhuma inclui as conservas em salmoura às quais nós estamos habituados. “A gente não tem o costume de armazenar palmito”, justifica o cacique Adolfo Timótio, da aldeia Ribeirão Silveira, em Bertioga (SP). É cortar e comer. A mais básica é o palmito cru, tal qual tirado da palmeira. Como quase não tem gosto, os índios acrescentam-lhe mel de abelha jataí. É nada além de um mata-fome, prático e rápido.

Para os índios, o uso alimentar da juçara vai muito além da salada  

Além do palmito de juçara, a dieta Guarani inclui também o xipa, um tipo de pão frito 

Bem mais interessante é o palmito assado na fogueira, que também não requer grande preparo. O tolete arde nas brasas por cerca de meia hora, até que a casca fique preta. Basta tirá-la e surgirá um palmito tenro e saboroso. Nem precisa de sal – que, aliás, os índios só conheceram com o homem branco. Existe ainda o palmito ensopado, de todos os tipos, o mais sofisticado. O prato, em guarani, chama-se mbaipy e costuma ser preparado com fubá de milho e carne de caça, em geral paca ou macuco. Não é comida de todo dia, como explica o cacique: “Se vê caça no mato, a gente faz o prato”.

Os guarani também gostam de comer o ixó, que é a larva que se alimenta do caule apodrecido da juçara. Segundo eles, vai bem assada ou frita. O óleo para fritar, aliás, vem da própria larva: quando fervido, o ixósolta uma gordura natural, que os índios guardam para depois usar no preparo de diversos alimentos.

Xavier Bartaburu
Nat Geo Brasil

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