Desde a sua morte, em 1935, já se escreveram mais de seis mil livros sobre a obra do escritor português Fernando Pessoa, um dos maiores da língua portuguesa e da literatura mundial. Mas biografias só existem três. A escassez decorre da originalidade de sua poesia, que se desdobrou em uma centena de heterônimos (autores fictícios) e, por isso, polariza a atenção dos estudiosos.
Há também outra razão, mais prosaica: Pessoa, morto aos 47 anos, passou quase a totalidade de sua curta existência em Lisboa e, nela, circunscrito a uma área de no máximo quatro quilômetros quadrados – território exíguo onde morava, trabalhava e ficavam os cafés que frequentava. Uma vida voltada para a arte e sem grandes lances, que necessita de uma lupa para reverberar versos como o de sua persona mais famosa, o poeta Álvaro de Campos: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.” É com essa lente de aumento do rigor e da meticulosidade que o advogado e escritor pernambucano José Paulo Cavalcanti, 62 anos, pesquisa há uma década a trajetória do poeta e lança no dia 24 de março o livro “Fernando Pessoa – Uma Quase Biografia (Record). É a primeira obra do gênero sobre esse escritor no Brasil e Cavalcanti diz que a escreveu “quase não querendo”: “Esse é o livro que eu sempre quis ler sobre Pessoa e que até agora não existia.” Sua publicação promete causar polêmicas de alcance mundial, já que revê muitos fatos tidos como certos em relação ao autor do “Livro do Desassossego” e do poema “Tabacaria”, do qual foram extraídos os versos citados acima.
O poema “Tabacaria”, primeiro contato de Cavalcanti com o universo do autor (ele o leu aos 16 anos), suscitou algumas das maiores descobertas a ser reveladas pelo livro inédito. A tal loja de cigarros e charutos, que sempre se creu que Pessoa via da janela de sua casa e que até hoje se pensava chamar-se A Morgadinha é, na verdade, a Havaneza dos Retroseiros (atualmente uma loja de peles). Pessoa não a via da janela do quarto como se acreditava, mas do escritório onde trabalhava com o amigo Luís Pedro Moitinho de Almeida. Para chegar a essa conclusão, Cavalcanti adotou o método empírico: visitou o lugar em que o poeta morava na época e provou que, mesmo se ele se encurvasse na janela, não veria tabacaria alguma. Outro erro: o poema é de 1928 e a Morgadinha foi fundada em 1958. Nesse período, ele não tinha máquina de escrever e varava as noites usando a do trabalho, no centro de Lisboa. Basta olhar da janela desse prédio: está lá a antiga Havaneza. As conclusões de Cavalcanti não param aí. O homem citado no poema, o “Esteves sem metafísica”, realmente existiu e foi quem, tempos depois, registrou o atestado de óbito do escritor. Cavalcanti vai mais longe e avança na questão dos heterônimos para provar que Pessoa não se multiplicava apenas em 67 autores fictícios, mas em 127. Faz até uma genealogia do perfil inventado por ele para o seu mais famoso “duplo”, Álvaro de Campos, o autor de “Tabacaria”: teria nascido em Tavira (terra do seu avô paterno), no dia 13 de outubro (aniversário de Friedrich Nietzsche) de 1890 (para ser um ano mais jovem que Alberto Caeiro, outro heterônimo). A tia-avó com quem o imaginário Álvaro de Campos vivia era na verdade duas, as tias Maria e Rita, essas sim reais – tias mesmo do próprio Pessoa. E por aí vai.
Também causará polêmica a tese do biógrafo, para quem o autor lisboeta era um “homem sem imaginação” – e isso no melhor sentido.
“Tudo o que Pessoa escreveu refere-se a ele e ao seu entorno,
indo dos vizinhos às amizades literárias”
José Paulo Cavalcanti, escritor
“Se o fantasma dele realmente existir, pode ter certeza de que está satisfeito de esses pertences estarem comigo”, diz Cavalcanti. Do lado de cá, os brasileiros fazem coro.
Novo livro de Fernando Pessoa é magnífico!
Álvaro Alves de Faria
Literatura
O poeta e jornalista Álvaro Alves de Faria fala sobre lançamento de livros e eventos ligados à Literatura.
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O poeta e jornalista Álvaro Alves de Faria fala sobre lançamento de livros e eventos ligados à Literatura.
Podcast
O livro “Fernando Pessoa, uma quase autobiografia”, de José Paulo Cavalcanti Filho, é uma das maiores e melhores obras dos últimos anos. A obra está sendo lançada pela Editora Record, do Rio de Janeiro.
Com 734 páginas, o livro é magnífico e conta a história dos amores, ofícios, arte de fingir, 127 heterônimos e gênio de Fernando Pessoa. Quer saber mais? Clique no áudio e confira com o poeta da Jovem Pan, Álvaro Alves de Faria.
Com 734 páginas, o livro é magnífico e conta a história dos amores, ofícios, arte de fingir, 127 heterônimos e gênio de Fernando Pessoa. Quer saber mais? Clique no áudio e confira com o poeta da Jovem Pan, Álvaro Alves de Faria.
"Sê plural como o universo!"--- Fernando Pessoa
- Exposição no Rio de Janeiro mostrou vida e obras de Fernando Pessoa
O Museu da Língua Portuguesa numa mostra dedicada ao poeta português popularíssimo no Brasil — Fernando Pessoa (1888-1935), escritor essencial do idioma. A partir da frase “sê plural como o universo”, a montagem, que tem cenografia de Hélio Eichbauer, explora a personalidade multifacetada de Pessoa por meio de instalações audiovisuais e interativas. Cada um de seus heterônimos mais conhecidos (Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis), além de Bernardo Soares, ganhou uma espécie de cabine. Com o movimento do braço, o espectador pôde virar a página dos versos projetados em paredes do espaço. Outra atração é uma sala cujo jogo de espelhos multiplica a imagem do visitante — ao fundo, ouvem-se poemas recitados. Há ainda documentos raros, a exemplo da primeira edição de Mensagem e de fac-símiles de cartas e manuscritos.
Assista parte desta mostra na matéria:
Espaço Aberto
*José Paulo Cavalcanti - É advogado e foi ministro da Justiça no governo Sarney. Escreveu o livro "Fernando Pessoa, uma autobiografia", pela Record. Foi inúmeras vezes a Portugal, entrevistou especialistas e historiadores e escreveu quatro horas por dia durante oito anos
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