Área onde começou a ser construída Belo Monte, vista em 15 de junho de 2012,
próximo a Altamira, Pará (Mario Tama/Getty Images)
Atividades humanas estão alterando a floresta. Construção de estradas e hidrelétricas, exploração de petróleo e gás, implantação de garimpos para mineração, desmatamento e queimadas são alguns dos principais fatores que têm pressionado a floresta.
Estes e outros fatores foram apontados no estudo publicado pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg), constituída por ONGs e institutos de pesquisa.
O atlas intitulado “Amazônia Sob Pressão” mostrou que na década de 2000 a 2010, dos 7,8 milhões de km² de floresta amazônica – onde vivem 33 milhões de pessoas, incluindo 385 povos indígenas – a floresta perdeu uma área de 240 mil km², equivalente ao território completo do Reino Unido.
Dos países que possuem a Amazônia em seu território – Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa – o detentor de mais da metade (58,1%) da floresta, Brasil, teve a participação de 80,4% do desmatamento no período.
O Peru, responsável por 13,1% da Amazônia respondeu por 6,2% do desmatamento no período, seguido pela Colômbia, que possui 8% da floresta sob seu território e desmatou 5%.
Fatores de pressão sobre a floresta
Um dos principais fatores de desmatamento são as estradas, abertas para exploração madeireira, na maioria ilegalmente, para expandir assentamentos e urbanização, atividades agropecuárias, extração florestal, minério, entre outros. O estudo apontou que 64,5 % das estradas não são pavimentadas. Estradas relacionadas com áreas de maior desmatamento são as do “arco do desmatamento” na Amazônia brasileira, de Belém-Brasília (BR153), Cuiabá-Santarém, (BR163) e Cuiabá-Porto Velho (BR364).
A riqueza dos minérios da região amazônica remonta à busca de ouro no “El Dourado”. Foi somente em 1967, porém, na Serra dos Carajás, na Amazônia brasileira, que a mineração ganhou força. Atualmente, com o aumento do preço do ouros nos últimos 20 anos, a mineração tem se intensificado, sendo o Brasil e a Guiana os países com maior presença desta atividade. Os impactos ambientais da mineração, porém, comprometem de maneira bastante importante as Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas (TIs), pois essa atividade localiza-se na periferia da Amazônia. Além disso, impactos na qualidade da água, do solo, da diversidade cultural e biológica ainda são discutidos, segundo o estudo.
Tucano pousa em árvore morta, 8 de dezembro de 2012,
em Manaus, Amazonas (Cortesia de Gisele Milare)
Atualmente existem 81 lotes de petróleo e gás natural, sob exploração e 246 projetos. Ao todo, os 327 lotes petroleiros com potencial de exploração
ocupam 1,08 milhões de km², ou seja, 15% da Amazônia. Muitos dos lotes de petróleo e gás sobrepõe áreas de UCs e TIs.
As queimadas são outro fator que favorecem o desmatamento. São praticadas por populações locais e indígenas nos últimos 50 anos para uso na agropecuária. O impacto é diretamente observado na saúde humana, na alteração da paisagem, emissão de gases de efeito estufa, poluição do ar e redução das chuvas devido à fumaça.
O desmatamento na floresta amazônica foi incentivado por programas governamentais do Brasil, Equador e Peru, na década de 70, visando incentivar ocupação do território amazônico. No Brasil atualmente, a causa principal de desmatamento é a pecuária extensiva, que altera o uso do solo de florestas para pastagens. Embora o Brasil tenha sido o país que mais perdeu cobertura florestal, recentemente tem apresentado queda das taxas de desmatamento. Outros países, como a Colômbia, no entanto, apresentam uma tendência de aceleração do desmatamento.
O estudo indicou que as hidrelétricas estão vinculadas aos planos nacionais de desenvolvimento de cada país. Existem 171 hidrelétricas em operação ou em desenvolvimento, além de 246 projetos em estudo na Amazônia. Os impactos socioambientais das hidrelétricas ainda não foram abordados adequadamente.
O estudo apontou que se as ameaças de projetos atuais tornarem-se pressões num futuro próximo, metade da Amazônia atual poderia desaparecer.
Brasil: redução do desmatamento
(Fonte: Prodes/INPE)
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) anunciou recentemente a maior queda do desmatamento da Amazônia legal. A queda representou uma redução de 27 % de desmatamento no período de agosto de 2011 a julho de 2012 em relação ao mesmo período anterior.
O MMA afirmou que esta foi a menor taxa de desmatamento desde 2004, ano de implementação do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm). Entretanto, dos estados que compõe a Amazônia legal, Tocantins, Amazonas e Acre registraram crescimento do desmatamento.
Autor: Ticiane Rossi
Ticiane Rossi é engenheira florestal e mestre em Ciências pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo. Atualmente faz doutorado no programa de Recursos Florestais também na ESALQ.
Rio Madeira
Divulgado em 2008:
Construção de usina no rio Madeira causa morte de 11 toneladas de peixes
Índice de mortandade de peixes no rio Madeira
A construção da barragem da usina de Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, causou a morte de 11 toneladas de peixes, segundo o Ibama, (segundo fontes locais + de 85 Tons). O consórcio Madeira Energia S/A (Mesa), responsável pela obra, foi multado pelo instituto em R$ 7,7 milhões, sem no entanto se ver obrigado a implementar um programa de recomposição da fauna. A autuação ocorreu quinta-feira (29), após um laudo técnico constatar que a responsabilidade pelo acidente, ocorrido no último dia 10, cabia às empresas.
Segundo César Guimarães, superintendente do Ibama em Rondônia, a mortandade ocorreu no local em que estão sendo construídas as bases da barragem. Para secar o local, parte da água foi represada e drenada. Durante esse processo, os peixes não teriam sido retirados de forma correta, e não resistiram. “Ocorreu uma secagem muito rápida, e a demanda por oxigênio era muito grande”, explica Guimarães.
Reassentados por usina em RO dependem de ajuda para sobreviver
Às vésperas de a usina de Santo Antônio começar a girar sua primeira turbina em Porto Velho (RO), ribeirinhos retirados das margens do rio Madeira ainda dependem da ajuda financeira da concessionária para sobreviver, informa Gustavo Hennemann, em reportagem na Folha.
Cerca de 270 famílias foram removidas para dar lugar ao reservatório de água da hidrelétrica. Elas se mantinham com a pesca artesanal e a agricultura e, agora, enfrentam dificuldades para produzir nos assentamentos.
No assentamento rural Vila Teotônio - um dos seis construídos pela "Santo Antônio Energia", os pescadores reclamam que ficaram sem fonte de renda depois de peixes e turistas "sumirem".
Desde o fim de 2010, esse assentamento começou a receber 40 famílias que moravam numa vila próxima a uma cachoeira que hoje está coberta pela água. O grupo foi instalado na beira do reservatório, que começou a encher em setembro e seguirá elevando o nível da água até o fim de janeiro.
Matéria deste mês - 2012
Rio Madeira: Um rio em fúria
Ondas engolem casas, e peixes aparecem mortos, enquanto pescadores passam fome. A usina de Santo Antônio mudou o rio e a vida em Rondônia
Nas margens desbarrancadas do rio Madeira, Francisco Souza mostra foto do quintal que foi levado pelas águas Foto: Marcelo Min
Dois dias antes do início dos testes na primeira turbina da hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia, o telefone tocou na casa da pescadora Maria Iêsa Reis Lima. “Vai começar”, avisou o amigo que trabalhava na construção da usina. Iêsa sentou na varanda e se pôs a observar as águas, esperando o que sabia ser uma mudança sem volta. “O rio Madeira tem um jeito perigoso, exige respeito. Os engenheiros dizem que têm toda a tecnologia, mas nada controla a reação desse rio.”
Semanas depois, no início de 2012, as águas que banham a capital Porto Velho começaram a ficar agitadas. As ondas cresciam a cada dia, cavando a margem e arrancando árvores. O deck do porto municipal se rompeu. O rio alcançou as casas, até que a primeira delas ruiu junto com o barranco para dentro das águas.
O prognóstico de Iêsa estava certo. O que ela não podia imaginar era a rapidez com que a resposta do rio à abertura das comportas alteraria o curso da sua vida, do seu bairro e da história de Porto Velho. As ondas atacaram o bairro Triângulo, primeiro a se formar na capital. O bairro leva esse nome por ser o local onde o trem da estrada de ferro Madeira-Mamoré fazia a curva para desabastecer. A casa de Iêsa ficava entre a margem do Madeira e os trilhos abandonados. Cerca de sete quilômetros abaixo da usina.
O rio engoliu ainda o marco Rondon, obelisco histórico mais antigo que o próprio estado. Construído em 1911 pela equipe do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, sertanista que rasgou a floresta para ligar a primeira linha telegráfica a conectar a Amazônia. Quando as ondas alcançaram o marco, alertas circularam em abundância por todos os meios de comunicação a que o mundo têm acesso. Mas a empresa Santo Antônio Energia, responsável pela usina, negava relação com o problema. Em duas semanas, as águas cavaram a base do obelisco e o arrastaram para o fundo do rio. Depois que ficou comprovada a responsabilidade da usina, a empresa tentou resgatar o obelisco, mas apenas dois blocos foram recuperados.
Banzeiro foi a palavra adotada pelos rondonienses para se referir ao fenômeno. Segundo o dicionário Houaiss: “série de ondas provocadas pela passagem da pororoca ou embarcação, e que vai quebrar violentamente na praia ou nas margens do rio”. Ou ainda: “cambaleante, pouco firme”, “que se sente banzo, melancólico, triste”.
Na sala do apartamento alugado pela usina, sentada numa cadeira de varanda entre caixas de mudança, Iêsa vive as diversas definições da palavra. “Minha história se perdeu, foi tudo pra baixo da água”, diz. Filha de soldado da borracha, ela aprendeu a pescar com o pai e os irmãos e era disso que vivia até o início do ano. Sente falta dos peixes frescos e da comida que colhia no quintal: mandioca, feijão, açaí, carambola e manga.
A pescadora Iêsa no apartamento pago pela usina de Santo Antônio, sua casa quase foi engolida pelas ondas que atingiram o bairro Triângulo Foto: Marcelo Min
Por enquanto, quem ainda aproveita a sombra de suas árvores é o vizinho Francisco Batita Souza. Ele morava na beira do rio, no bairro Triângulo, e também mudou para apartamento. Mas passa o dia no quintal de Iêsa, construindo pequenos barcos. O terreno onde ele trabalhava foi levado pelas águas. Souza se agarra às fotos do antigo estaleiro e briga na justiça para que a usina lhe indenize pelo local de trabalho. “Tenho 59 anos, faço barco desde os 15, o que vou fazer da vida agora?”, questiona.
Com o valor da indenização (entre R$ 90 mil e R$ 150 mil), as 120 famílias provisoriamente instaladas em hotéis e apartamentos não poderão voltar para os terrenos à beira do rio, que são áreas muito valorizadas em Porto Velho. E nem poderão voltar ao bairro Triângulo, que vai ser todo removido para a construção de um complexo turístico e paisagístico na beira do rio.
Os moradores mais antigos se recusam a sair. Como José Oliveira, que trabalhou na estrada de ferro desde 1950, quando tinha 16 anos, até sua desativação em 1972. “Era guarda fio, cortava o mato quando enrolava na linha. Andava sozinho pela estrada, pedalando num velocípede que encaixava no trilho. Levei até flechada de índio”, lembra. Quando chegou a Porto Velho, a vida da cidade girava em torno do trem.
Depois que desativaram a linha férrea, os dormentes foram usados para reforçar a base de sua casa. “Estou satisfeito aqui perto do trilho e do rio. Ninguém vai me jogar pra dentro da cidade como foi com essas famílias que saíram correndo, chorando, como se não valessem nada”.
É difícil entender o impacto da mudança para quem cresceu na beira do rio. Iêsa se preocupa com o neto de 12 anos, que já passou mais de mês fechado no quarto do apartamento. Quando perguntei o que mudou desde que a família teve de deixar a casa, o menino fez um longo silêncio e disse: “Mexe com o cérebro”.
Ribeirinhos no bairro Triângulo, de onde terão que sair. Ao perder a proximidade do rio, eles perdem também sua fonte de renda Foto: Marcelo Min
As famílias não esquecem a noite em que, enquanto as ondas quebravam, a Santo Antônio Energia, empresa que comanda a usina, negava responsabilidades sobre os banzeiros na TV. Iêsa dormia com a mala pronta ao lado da porta de casa. “À noite as ondas ficavam mais fortes”, lembra. “A gente ouvia um barulho alto que vinha da usina.”
Por duas semanas, ninguém sabia o que fazer. As famílias não recebiam orientação das instâncias responsáveis por controlar as ações de impacto social e ambiental da obra: prefeitura, governo do estado e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Foi preciso a intervenção do Ministério Público do estado, que chamou a empresa a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta, onde se fixaram o auxílio às famílias e a contenção das margens.
Alertas ignorados
Isso aconteceu porque o fenômeno não estava previsto pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da obra – elaborado por Furnas e Odebrecht, empresas responsáveis por Santo Antônio, e certificado pelo Ibama antes do licenciamento. É esse estudo que aponta os danos possivelmente gerados pela construção e as ações para conter o prejuízo.
“Foi uma falha”, admite Thomaz Miazaki de Toledo, coordenador de Infra-Estrutura de Energia Elétrica no Ibama. “Se esses impactos tivessem sido previstos, as medidas preventivas teriam sido adotadas. Mas a gente não tem bola de cristal”, completa. A Santo Antônio Energia não atendeu aos pedidos de entrevista da reportagem, que se estenderam por mais de um mês.
Pelo menos dois especialistas pagos por Santo Antônio apontaram a alta probabilidade de erosão. Esses alertas estão em laudos complementares ao Estudo de Impacto Ambiental. “Foram análises aprofundadas, feitas por exigência do Ministério Público de Rondônia, mas depois foram esquecidas durante o licenciamento”, diz Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra.
O rio Jaci Paraná aumentou de nível com os alagamentos
Foto: Marcelo Min
Foto: Marcelo Min
A erosão é apontada nesses estudos pelo biólogo José Galizia Tundisi, professor aposentado da Universidade de São Paulo e consultor na área ambiental. Ele escreve que o fenômeno poderia acontecer em diversos pontos do curso do Madeira, devido ao desequilíbrio na movimentação de sedimentos.
Para entender esse processo, é preciso saber que o Madeira é um dos três rios com maior concentração de sedimentos do mundo. Perde só para os que nascem no Himalaia. Ele leva esse nome porque, depois de descer a Cordilheira dos Andes, suas águas arrancam as árvores e margens de alguns trechos. Todo dia, essas madeiras e mais de 500 mil toneladas de sedimentos deslizam na frente de Porto Velho.
O modo como esse material vai se acomodando ao longo do rio é o que dá equilíbrio ao curso. Há trechos onde naturalmente ocorre erosão, e as margens caem. Em outros, há sedimentação, e aparecem formações como bancos de areia. O trecho de Porto Velho era uma área de sedimentação. Mas Tundisi já alertava no estudo divulgado em 2007: quando construídas as usinas, as reservas passariam a reter os sedimentos, e essa mudança de equilíbrio poderia criar novas zonas de erosão, em especial no trecho abaixo da usina.
Essa é uma das teses para explicar o problema com que trabalha o Ministério Público do Estado de Rondônia (MPE-RO). Ao Ibama, a empresa atribui o fenômeno à fase específica da obra. Como as turbinas não estão todas em funcionamento (serão 44, há 6 em operação), a água sai com mais velocidade, gerando ondas.
“Acatamos a explicação, mas entendemos que não é só isso, temos técnicos trabalhando para fazer um laudo independente”, afirma Aluildo de Oliveira Leite, do MPE-RO. A explicação da usina ajuda a entender a violência das ondas em Porto Velho. Mas o Ministério Público já registrou a ocorrência do fenômeno em ao menos mais duas comunidades, que ficam a 150 e 200 quilômetros abaixo da capital.
Um precedente preocupante é o caso da usina hidrelétrica de Aswam, no Egito. Embora menos caudaloso que o Madeira, o rio Nilo também é rico em sedimentos. A concentração de nutrientes em suas águas abastecia o Delta do Nilo, célebre pela fartura em meio ao deserto. Com a represa, concluída em 1970, erosões engoliram vilas inteiras rio abaixo e alteraram a morfologia do Delta, onde hoje a lavoura depende de fertilizantes.
Só com um diagnóstico completo será possível fixar ações de prevenção no rio Madeira. O que também depende da boa-fé da empresa. Depois dos acidentes no bairro Triângulo, a Santo Antônio foi obrigada a construir um paredão de sete quilômetros de pedras para conter as ondas. “Agora estão começando a desbarrancar outros trechos logo depois dessa faixa. E a empresa não reconhece, diz que não há nexo causal”, afirma a procuradora Renata Ribeiro Baptista, que acompanha o caso pelo Ministério Público Federal.
“Água preta como café”
Enquanto as ondas revoltam o curso do Madeira abaixo da usina, quem mora acima da barragem teve a vida transformada por outro desequilíbrio: a morte dos peixes.
Já era previsto que a quantidade de peixes diminuísse. Mas é ponto pacífico entre os pescadores que a quantidade caiu drasticamente. Nos pontos mais próximos da usina, os relatos são de que só é possível pegar quantidade suficiente para comer, não mais para vender.
Prevendo os problemas que surgiriam com o fechamento da barragem, um grupo de 30 pescadores de Jaci Paraná, vila a 90 quilômetros de Porto Velho, se organizou e montou um projeto para criação de tambaquis, antes mesmo que a escassez se consumasse. Fizeram tudo direito: ganharam edital da Petrobras e montaram uma estrutura com 26 tanques dentro do lago Madalena, que fica no rio Jaci Paraná, onde passaram a criar mais de 35 mil peixes.
Depois de dois anos, quando os tambaquis estavam quase prontos para a venda, a usina Santo Antônio começou a alagar as margens do rio para a criação da reserva. Em outubro de 2011, os pescadores acompanharam a subida do nível do lago com preocupação, dobrando o monitoramento da criação. Em dezembro, José dos Santos, pescador e coordenador de campo do projeto, recebeu uma ligação do pescador que estava no plantão: alguns peixes estavam morrendo. “Corri pra cá e vi que a água estava diferente, preta que nem café”, lembra. “Não deu tempo de nada, na mesma noite ele ligou que estava tudo morto, boiando. Foi um desespero”.
O grupo procurou a Santo Antônio Energia, empresa responsável pela usina. “E eles não disseram que os peixes morreram de fome?”, diz José, com um sorriso nervoso. “Nós lutando há cinco anos, cheios de ração guardada, ia deixar os bichos com fome?”
Na frente da sede do projeto, José aponta as centenas de árvores secas dentro do lago. Elas eram parte da vegetação de várzea, que sobrevive dentro da água alguns meses por ano, na cheia, mas não resistiu ao alagamento definitivo. Na volta para Jaci, cruzamos ainda com centenas de toras de madeira abandonadas na beira do rio, todas com o selo da Fox – empresa que faz o desmatamento para as usinas. Segundo os pescadores, grande parte da vegetação derrubada pela usina não foi retirada do local em tempo do alagamento e ficou dentro da água. Eles desconfiam que essa seja a causa da morte dos peixes: a decomposição da vegetação alagada.
Toras de árvore empilhadas ao lado do rio Jaci Paraná
com selo da Santo Antônio Energia Foto: Marcelo Min
A hipótese faz sentido para o biólogo Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). “Nos relatórios ambientais, as usinas indicam a vegetação de várzea como parte do leito do rio. Mas, se você enche essas áreas e deixa alagado o ano todo, as árvores vão se decompor, as folhas vão apodrecer e liberar CO²”, afirma.
O mesmo erro teria sido cometido no cálculo da área total a ser alagada para fazer os reservatórios de Santo Antônio e Jirau, a outra usina hidrelétrica que está sendo construída na região, rio acima. Para as usinas, seriam 230 km² de terras alagadas. Segundo Fearnside, a extensão real do alagamento, incluindo-se a floresta de várzea, pode ser o dobro disso: 529 km².
Auxiliados pela ONG Instituto Madeira Vivo, que ajudou a coordenar o projeto de piscicultura, o grupo colheu amostras da água e dos peixes mortos e enviou para análise da Universidade Federal de Rondônia. Segundo Iremar Antônio Ferreira, diretor do Instituto, a análise apontou ausência de oxigênio na água. “Entramos na justiça”, diz. “Queremos negociar com a empresa, retomar logo o projeto. Mas a Santo Antônio Energia diz que não tem acordo.”
Enquanto o processo corre, José ficou sem renda. A solução foi virar segurança na usina de Jirau.
A falta de controle da qualidade da água pela usina Santo Antônio já havia sido detectada no final de 2008, quando o cheiro de peixe morto chegou à capital. O Ibama estimou 11 toneladas, mas membros da equipe de fiscalização desconfiam que havia mais. As mortes aconteciam em trecho próximo à obra havia cinco dias e, quando os fiscais chegaram, funcionários da usina já estavam enterrando os peixes.
A usina foi multada em R$ 7,7 milhões. O relatório do Ibama aponta que a empresa agiu com negligência e imprudência, porque não monitorava a qualidade da água todos os dias e não havia equipe qualificada no local. A empresa foi repreendida por não ter avisado sobre o acidente, não ter feito a perícia da causa da morte dos peixes e por ter usado baldes inadequados para transportar os peixes ainda vivos, que chegaram mortos ao local de soltura.
Área desmatada para o alagamento da usina de Jirau Foto: Marcelo Min
Considerando o melhor cenário, no qual as usinas seguiriam com rigor as normas de controle ambiental, a estimativa era que os peixes do rio Madeira diminuíssem em até 50% nos primeiros anos. Mas os pescadores garantem que hoje é quase impossível achar as espécies maiores e mais valiosas – como a dourada (Brachyplatystoma rousseauxii), bagre que foi objeto de piada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 2007, Lula teria ironizado o fato de “um bagre” impedir a liberação para construção de uma usina (leia sobre o processo de licenciamento aqui). A dourada, o bagre mais comum na região, é um peixe que pode chegar a 1,8 metro de comprimento e que viaja 5 mil quilômetros da Ilha de Marajó até o pé da cordilheira dos Andes para reproduzir. Na época da piracema, era possível vê-las, às centenas, pulando para subir as cachoeiras que hoje foram alagadas.
O desaparecimento do bagre desestruturou a vida de milhares de pescadores que dependiam da pesca como fonte de renda. Segundo levantamento feito pela Universidade Federal de Rondônia, em estudo pago pelas usinas, ao longo de um mês em 2004, 219 pescadores pegaram 40 toneladas de dourada em localidades próximas à usina. Incluindo todas as espécies pescadas naquele mês, o levantamento soma quase 460 toneladas pescadas. O estudo ainda não repetiu o levantamento para verificar como esses números diminuíram. O mesmo grupo descobriu que o Madeira é o rio mais diverso de todo o mundo, com 957 espécies de peixes.
A principal ação da empresa para amenizar o impacto sobre o ciclo reprodutivo dos peixes foi construir dois canais por onde eles, teoricamente, podem passar. Mas é difícil reproduzir as condições exatas de uma cachoeira. “Os grandes bagres não estão encontrando a entrada da passagem, não foram observados subindo o canal”, afirma Fearnside, que acompanhou a construção do canal e verificou seu funcionamento este ano. “No caso de Santo Antônio, os funcionários estavam pegando o bagre com rede e soltando dentro do canal para eles subirem.”
Mário, pescador que nunca mais viu a dourada,
peixe mais valorizado da região Foto: Marcelo Min
O pescador Mário Ferreira dos Santos nunca mais viu uma dourada. Com a chegada da usina, ele perdeu a fonte de sustento e o local onde morava. A casa de Mário foi uma das alagadas pela represa. Ficava a 60 metros da cachoeira Teotônio, onde se ouvem histórias de um passado abundante. “A gente fica meio assim de falar porque o povo não acredita”, diz Mário. “Lá tinha pesca de pé firme: era só ficar na beira da pedra, jogar a rede e puxar. Se o sujeito saia de barco na boca da noite, voltava com 600 quilos de manhã.”
Hoje, ele vive de uma bolsa dada pela Santo Antônio Energia, assim como toda a comunidade de pescadores: 45 famílias foram removidas do local para um assentamento construído pela usina. Eles conseguiram a ajuda de custos depois de fazer um protesto na frente da usina. “Na reunião antes do alagamento, eles só falavam coisa boa”, lembra Marcelo Gonçalves da Silva, 32 anos, uma das lideranças da comunidade. “A gente podia escolher entre pegar uma casa, ou dinheiro. O povo perguntou se iam poder pescar, eles disseram que sim. Só faltou avisar que não ia ter peixe.”
No primeiro ano depois da mudança, sem acesso à sua fonte de renda, Marcelo conta que as famílias entraram em desespero. “Fiquemos sem chão”, lembra. “Tinha família com fome, casa com luz cortada porque não pagou a conta.”
Marcelo mostra as fotos da cachoeira onde
a família morava antes do alagamento para a filha,
que já não lembra do local Foto: Marcelo Min
Ela procurou o Movimento dos Atingidos por Barragens, que ajudou a marcar reuniões com a empresa. Assim, a comunidade conseguiu a ajuda de custos mensal e a promessa de que a usina vai investir em um projeto de piscicultura. Uma das orientações da empresa é que o grupo crie os peixes em um tanque escavado na terra, fora do rio. “É pra não colocar os peixes em risco, por causa da qualidade da água”, explica Marcelo.
Ironicamente, uma das pendências a serem resolvidas antes do projeto é o abastecimento de energia elétrica da comunidade. Para manter um tanque fora do rio, eles precisam bombear oxigênio para dentro da água – e, para isso, de energia. Mas, na comunidade construída pela usina Santo Antônio, falta energia quase toda semana. Enquanto a reportagem estava lá, por exemplo, a luz acabou. “Ih, pode esperar sentado, que aqui fica um ou dois dias pra voltar”, disse Marcelo. “Agora imagina se tem condição, depois de tudo que passamos, construir um tanque pra criar peixe, e eles morrerem sem ar por falta de energia?”
Por Ana Aranha
Fonte: A Pública
Uma voz que deveriam ser muitas...
Sistemas Hídricos
As múltiplas funções ecológicas e serviços ambientais prestados gratuitamente por cursos d’água são inúmeros e valiosos. Um rio não é um simples canal de água, é um rico ecossistema moldado ao longo de milhões de anos, com ritmos próprios de composição e decomposição. Verdadeiros corredores de biodiversidade fornecem água, ar puro, alimentos, terras férteis, equilíbrio climático, fármacos animais e vegetais e recreação, turismo ecológico, entre outros tantos serviços.
Os sistemas hídricos propiciam também estocagem e limpeza de água, recarga do lençol freático, regulagem dos ciclos biogeoquímicos, estocagem de carbono e habitat para inúmeras espécies, endêmicas ou não. Fornecem ainda outros benefícios tais como pesca, agricultura de subsistência, via de transporte e auxílio na pecuária extensiva. Mexer com essa diversidade ecossistêmica única, que propicia tantos serviços aos privilegiados que usufruem dessas benesses, provoca discórdias de difícil consenso.
A construção de reservatórios em cursos d’água para a geração de energia elétrica é um feito da engenharia, são estruturas imensas e seus reservatórios represam volumes incomensuráveis de água. Cada projeto tem suas especificidades, mas como toda obra de grande porte, provoca inúmeros impactos ambientais, sociais, econômicos e culturais que transformam as regiões onde se instalam. Determinados impactos são irreversíveis, outros a capacidade de resiliência da natureza em conjunto com ações antrópicas positivas se encarregam de corrigir e/ou restaurar.
Há uma impressão generalizada entre os afetados por novas usinas, que as regiões onde elas se implementam absorvem os impactos sociais, econômicos e ambientais associados à construção e operação, enquanto os benefícios energéticos são distribuídos às demais regiões do país. Indica o bom senso que o razoável é viabilizar projetos que simultaneamente produzam energia para o desenvolvimento econômico, com ampliação da oferta de empregos e melhoria da qualidade de vida da população e ao mesmo tempo proporcionem mínimos impactos socioambientais. Parece um paradoxo, um contrassenso, e é, a provocar discórdias e discussões sem fim.
Impactos por usinas hidrelétricas
Os impactos causados por usinas hidrelétricas são sempre motivos de acirrados debates e difícil consenso. Como praticamente qualquer atividade econômica, as hidrelétricas causam impactos negativos, principalmente ao meio ambiente. A grande questão dos cientistas é saber qual a real dimensão desses impactos e como eles podem ser amenizados, já que dentro das fontes energéticas atuais, a energia das águas é considerada fonte renovável e limpa. A seguir os principais pontos negativos desses empreendimentos.
1 – Os primeiros impactos ambientais acontecem já na chegada da empresa construtora. A montagem do canteiro de obras transforma a economia local, com uso intensivo de materiais e energia, que provoca carestia nos preços dos materiais de construção e outros, prejudicando os moradores locais.
2 – O aumento súbito da população que incorpora trabalhadores vindos de fora acarreta vários problemas como acréscimo na produção de lixo e esgoto sanitário, e aumento na circulação de máquinas pesadas que danificam as vias públicas e modificam as características do trânsito local. Os operários, na maioria das obras, são vítimas de condições de trabalho perigosas e insalubres, e os acidentes e mortes são durante a construção são significativos. Os barrageiros provocam o crescimento da violência urbana, com o incremento no consumo de álcool e drogas. A chegada em massa de trabalhadores de outras praças para exercer suas atividades em terras estranhas provoca aumento de gravidez em adolescentes, atraem a prostituição e com ela as doenças sexualmente transmissíveis. os trabalhadores da obra
3 – Antes do funcionamento de uma usina é necessário desviar o curso do rio para formar um grande reservatório. A formação da represa afeta fortemente a fauna e flora locais, pois, de uma hora para outra, a floresta formada durante centenas de anos vira lago. Muitas espécies acabam submersas e, conseqüentemente, morrem, criando uma espécie de limbo, que compromete o funcionamento das turbinas.
Entre os cientistas há um consenso de que as áreas marginais a corpos d’água, sejam várzeas ou florestas ripárias (ciliares), são áreas insubstituíveis em razão da rica biodiversidade que ostentam e de seu alto grau de especialização e endemismo. Além disso, proporcionam serviços ecossistêmicos essenciais como a regularização hidrológica na atenuação de cheias e vazantes, a estabilização de encostas contra erosões, a manutenção da população de polinizadores e de ictiofauna, o controle natural de pragas, de doenças e das espécies exóticas invasoras.
4 – A implantação de hidrelétricas interfere de forma irreversível no micro clima local, provocando alterações na temperatura, na umidade relativa do ar, na evaporação e afeta o ciclo pluvial. Um muro de contenção segura água outrora corrente e sua regulação passa a ser feita pelo ser humano. O ecossistema in natura com toda sua rica biodiversidade jamais será recomposto. As médias das temperaturas mais altas tendem a ter pequenas baixas enquanto as médias das temperaturas mais baixas tendem a ter ligeiras altas. A quantificação desses impactos ainda é incipiente dada a complexidade que envolve os estudos de mudanças climáticas e de ecossistemas.
5 – Na hidrologia, a priorização para produzir energia cria dificuldades para permitir o uso múltiplo das águas como irrigação, piscicultura e lazer. A barragem altera o fluxo de corrente e a vazão do rio a jusante (abaixo), que causa alargamento do leito original, aumento de profundidade e elevação do nível do lençol freático, criando pântanos. A pressão do peso da água represada pode provocar fortes deslocamentos de terra, prejudicar aquíferos e provocar sismos induzidos, principalmente em terrenos cársticos. Forma-se a montante (acima) uma nova margem que não tem a mesma resistência à água, o que causa erosão e perda de solo e árvores, gerando o assoreamento que afeta a capacidade do reservatório. As barragens impedem o fluxo natural de sedimentos ricos em nutrientes, que auxiliam na fertilização dos solos para produzir alimentos.
A interrupção brusca do fluxo normal do curso do rio provoca diversas mudanças na temperatura e na composição química da água, com consequências diretas na sua qualidade. A água do fundo de um reservatório de uma grande barragem normalmente é mais fria no verão e mais quente no inverno do que a água corrente do rio. Já a água da superfície do reservatório é mais quente do que a do rio praticamente em todas as estações. Essas mudanças de temperatura mudam os ciclos da vida aquática, tais como procriação e metamorfose.
A barreira necessária para viabilizar usinas tranca sua navegabilidade quase que de forma irreversível e pode causar conflitos geopolíticos entre países usuários do mesmo rio. O Brasil tem cerca de 50 mil quilômetros de rios potencialmente navegáveis. O uso das águas para produzir energia permeou as decisões governamentais desde 1940 e criou obstáculos em rios navegáveis. A Usina de Tucuruí bloqueou o rio Tocantins, a Usina de Itaipu, bloqueou o rio Paraná e assim por diante. São Paulo também deslizou para esse caminho, interrompendo toda a possibilidade de navegação no rio Paranapanema, que em um trecho de 929 quilômetros possui 11 usinas hidrelétricas e inúmeros novos projetos. Há no estado de São Paulo uma salvaguarda, o rio Tietê, que resultou na viabilização da Hidrovia Tietê-Paraná, com 2.400 quilômetros.
Na Europa a relação entre os custos de transporte na hidrovia, na ferrovia e na rodovia obedecem a relação 1 : 2 : 5. No Brasil, os transportes rodoviários representam 76% da matriz de modais de locomoção; em São Paulo, 80%. Mas nos Estados Unidos, país da indústria automobilística e das rodovias, somente 38% das cargas viajam de caminhão. O país deve buscar eficiência em sua distribuição modal, ou seja, reduzir a dispendiosa carga rodoviária por meio do maior aparelhamento das hidrovias e das ferrovias.
6 – Há emissões de gases de efeito estufa principalmente em hidrelétricas localizadas em áreas tropicais, por meio da decomposição de árvores acima da água (em áreas não desmatadas adequadamente antes de se encher os reservatórios), as quais emitem gás carbônico (CO2).
7 – Há também a liberação de gás metano (CH4) na zona de deplecionamento (área do fundo do reservatório). Os reservatórios apresentam estratificação térmica, que causa formação da termoclina, localizada entre dois e três metros de profundidade. Abaixo da termoclina, a temperatura diminui e a água abaixo desta camada (hipolímnio) não se mistura com a água da superfície. A água do hipolímnio é ausente de oxigênio e por isso a vegetação da zona de deplecionamento não produz CO2 e sim CH4, que provoca 21 vezes mais impacto sobre o efeito estufa do que o gás carbônico. Conforme a vegetação do fundo do reservatório cresce a cada redução do nível de água, o gás carbônico da superfície é removido da atmosfera através da fotossíntese e o carbono é liberado pela vegetação em forma de metano, quando ocorre novamente a inundação.
8 – O excesso de nutrientes na água, principalmente fosfato e nitrato, ocasiona um aumento significativo na população de algas e de microrganismos decompositores na água, levando a uma brusca redução do teor de oxigênio dissolvido. Esse processo é denominado eutrofização, ocorre de forma natural, mas é potencializado na medida em que se incrementa substancialmente a quantia de efluentes despejados nos rios, oriundos do comércio, indústria e residências. A eutrofização provoca a mortalidade de organismos aeróbios maiores como os peixes, podendo causar também epidemias.
9 – O represamento de águas pode provocar diversas enfermidades endêmicas que assolam as comunidades vizinhas às usinas, dentre as quais doenças parasitárias como a esquistossomose e a malária e em menor escala a febre amarela e a dengue. Isto ocorre porque as barragens e os sistemas de irrigação formam remansos e propiciam um ambiente favorável para a criação e proliferação de insetos, caramujos e outros animais que servem como vetores para o desenvolvimento de parasitas.
10 – A formação de um reservatório provoca mudanças na estrutura dos ambientes aquáticos ao transformar um rio de águas rápidas (lóticas) em um sistema de águas paradas (lêntico) e também ao inundar ambientes terrestres e/ou várzeas e lagoas marginais. Estas mudanças causam alterações nas estruturas da fauna aquática (ictiofauna), principalmente por meio da substituição ou extinção local de espécies. Espécies de peixes reofílicos (aqueles que necessitam de águas rápidas para sua sobrevivência) se tornam mais raras, enquanto espécies de águas lênticas se tornam mais abundantes.
Espécies acostumadas à água corrente têm dificuldades em se adaptar à água quase parada de um lago, onde o nível de oxigenação diminui acentuadamente. A conseqüência é a proliferação de determinadas espécies em relação a outras. Há uma notável diminuição na quantidade e na qualidade dos peixes, o que causa prejuízos às populações ribeirinhas que têm na pesca a principal fonte de alimentação e atividade econômica. Para tentar amenizar o problema são construídas escadas nas barragens para que os peixes migratórios possam circular na piracema (ciclo migratório). A concepção de degraus é para evitar que algumas espécies morram de exaustão ao tentar repetir o seu fluxo natural de migração.
As escadas, no entanto, podem aumentar os riscos de extinção se funcionarem como uma armadilha ecológica, na medida em que atraem cardumes para ambientes mais pobres e prejudicam sua reprodução. A quantidade de peixes que sobe é significativa e causam um colapso na pesca a jusante dos reservatórios. A piracema também entra em colapso caso os peixes que sobem não desçam depois. Isso ocorre porque os adultos que sobrevivem ao desgastante processo de subida das escadas não encontram locais adequados para a desova ou o desenvolvimento dos alevinos nos ambientes a montante, já que esses locais são ecologicamente mais pobres.
A plasticidade (capacidade de se adaptar a novos ambientes e/ou condições ambientais) dos peixes migradores ainda é pouco conhecida, mas alguns casos de escolha de rotas alternativas de migração já foram identificados. O padrão geral de migração de peixes após a construção de usinas inclui o deslocamento das espécies entre diferentes áreas do ciclo de vida (desova, alimentação, crescimento). Esse deslocamento pode variar desde alguns quilômetros a até 3.500 quilômetros (sistema amazônico). Deslocamentos de espécies migradoras como o dourado superiores a 1.000 quilômetros já foram registrados. Com a interrupção desta rota por uma hidrelétrica, os peixes passam a não ter acesso ou ter acesso limitado às diferentes áreas do ciclo de vida. A repovoação da represa é indispensável.
11 – As populações humanas que habitam as regiões onde a usina será implantada em geral são famílias de agricultores, pescadores ou tribos indígenas, que perdem áreas utilizadas para caça e pesca. Deve-se reassentar essas populações em outras regiões, sem alterar muito suas condições originais de vida ou mesmo melhorá-las, o que raramente ocorre. O deslocamento forçado dessas populações, acompanhado por compensações financeiras irrisórias ou inexistentes coloca-as em confronto com empreendedores que almejam esconder ou minimizar os conflitos para viabilizar suas obras, e têm em vista critérios fundamentalmente econômicos. As populações atingidas, juntamente com os ambientalistas, procuram evidenciar os conflitos, mostrando que há direitos que não estão sendo considerados, e têm em vista critérios ambientais, sociais e humanitários.
No caso da população indígena, essas comunidades dificilmente possuem os documentos referentes à posse de terras. Em sua maioria, eles são reassentados em novas áreas, passam por um longo processo de adaptações culturais e sociais e podem perder sua identidade, pois possuem uma ligação espiritual estreita com a terra natal.
12 – Os impactos causados pelas PCHs em relação às grandes usinas são menores, pois possuem barragens proporcionalmente menores, mas ao se instalar diversas PCHs em um mesmo rio, em sistemas de cascatas, os impactos podem ser proporcionalmente maiores dos causados por grandes obras, principalmente no que diz respeito ao assoreamento. O licenciamento ambiental de PCHs é bem mais simples e, em alguns estados, sequer são necessários o EIA e o RIMA. Obtidos isoladamente, sem levar em conta outras usinas hidrelétricas no mesmo rio ou bacia, os licenciamentos ignoram o conjunto dos impactos socioambientais dos empreendimentos.
Uma resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) diz que usinas com mais de 10 MW de potência devem ter EIA/RIMA. Esse caso é emblemático e dá mostras da confusão que se disseminou no país sobre regras e competências de licenciamento ambiental.
As grandes hidrelétricas podem causar mais estragos ambientais, mas acabam sendo analisadas pelo Instituto Brasileiro do Meio ambiente (IBAMA), e submetidas ao licenciamento mais rigoroso. Já as PCHs costumam ser licenciadas pelos estados, que aplicam suas próprias regras. Muitas vezes, essas regras são mais brandas.
Um exemplo de PCH com grande impacto é a PCH Fumaça (10 MW), construída no município de Diogo Vasconcelos (MG) pela Novellis do Brasil (antiga Alcan Alumínio). A obra deslocou compulsoriamente duzentas famílias com o início de sua operação, em abril de 2003. Pessoas que dependiam da beira do rio para sua sobrevivência e que mantinham uma relação complexa com a natureza (meeiros, artesãos que utilizavam da pedra sabão, faiscadores, diaristas e agricultores) até hoje enfrentam problemas de indenização.
13 – Sítios arqueológicos de rara beleza natural e de importância científica são elementos do patrimônio cultural da humanidade. A perda desses recursos culturais históricos, que variam desde santuários, artefatos e construções antigas, templos, além de recursos arqueológicos tais como fósseis, animais e cemitérios ocorre em decorrência de submersão da área de influência da barragem. Ocorre também devido ao processo de erosão dos solos e das encostas ora frágeis, que expõe essa riqueza à superfície, deixando-a vulnerável a saques e contrabando – um crime de lesa humanidade.
Exemplos de impactos no Brasil
As centenas de usinas hidrelétricas construídas até hoje no Brasil resultaram em mais de 34.000 km2 de terras inundadas para a formação de barragens; no deslocamento compulsório de cerca de 250 mil famílias, populações ribeirinhas diretamente atingidas pelos reservatórios; e em muitos danos ambientais e sociais.
O maior empreendimento em construção no Brasil é a usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, estado do Pará, cuja obra enfrenta muitos protestos ambientais. A rejeição às grandes barragens é produto de um histórico de erros no setor. O símbolo maior desses enganos é a usina de Balbina, erguida nos anos 1980 no rio Uatumã, no estado do Amazonas.
Balbina, concebida no regime militar na década de 1970 e finalizada em 1989, é considerada a maior tragédia ambiental do país. Inundou uma área quatro vezes superior a Itaipu, incluindo parte da reserva indígena Waimiri-Atroari, para gerar somente 10% da energia de Itaipu. Matou peixes e causou a escassez de alimentos e fome para as populações locais. Nem mesmo o abastecimento de energia elétrica para a população local foi cumprido. Em 1989, após uma análise da situação do rio Uatumã, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) decretou sua morte biológica.
Os construtores inundaram a área sem retirar as árvores e transformaram a paisagem em um grotesco paliteiro. A madeira em putrefação atrai nuvens de mosquitos e gera metano. Bactérias aeróbicas promoveram a decomposição da matéria orgânica, que acarretou a diminuição da taxa de oxigênio dissolvido na água e provocou a morte de milhares de peixes.
No caso da construção da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, um exemplo de má administração das questões ambientais na construção, cientistas relatam a fuga em massa de macacos, aves e outras espécies durante os dois meses que durou a inundação do lago de 2.430 km2. A estimativa é que apenas 1% das espécies locais sobreviveu. Mesmo com o remanejamento antecipado de espécies, algumas correm o risco de não se adaptarem ao novo habitat.
Na represa de Sobradinho, 50 mil habitantes das ilhas e das margens do rio São Francisco tiveram de ser reassentadas. Com a construção da represa de Luiz Gonzaga (Itaparica) foram submersas três cidades, Petrolândia, Glória e Rodelas, e inscrições feitas por homens pré-históricos nas pedras das margens do rio. Desapareceram ruínas de missões jesuítas e franciscanas e o famoso cais de Petrolândia, construído para o desembarque de D. Pedro II em sua histórica viagem pelo rio São Francisco.
A hidrelétrica de Itaipu, devido à sua magnitude, provocou profundos impactos sociais e ambientais na bacia do Rio Paraná. O principal foi o desaparecimento das 7 quedas da cidade de Guairá, uma das mais belas paisagens brasileiras. Entretanto, é inegável sua contribuição ímpar em fornecimento de energia para todo o país. Além disso, entre as usinas hidrelétricas brasileiras é uma das que mais investe em pesquisas ambientais.
Entre muitas pesquisas realizadas em Itaipu, está a maior série histórica de dados sobre a pesca. Este conhecimento acima da média do sistema se deve em grande parte à participação, nos estudos, da Universidade Estadual de Maringá, através do Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura – Nupélia. Este núcleo de excelência, reconhecido internacionalmente, pesquisa há mais de 20 anos os ecossistemas aquáticos da bacia do Rio Paraná.
Deslizamentos de terra e sismicidade
Dezenas de deslizamentos de terra na China foram atribuídos à construção da hidrelétrica Três Gargantas que cruza o rio Yangtsé. Como tudo na China, os números são estratosféricos: essa obra desalojou 1,3 milhões de chineses, o lago formado afundou 13 cidades de grande porte, 140 de pequeno, 1.352 povoados e 657 fábricas segundo cálculos oficiais. Também 600 sítios históricos desapareceram sob as águas que no pico contou com mais de 18 mil trabalhadores.
Em 2003, um mês após ser iniciado o enchimento da barragem Três Gargantas, um deslizamento de terra matou 14 pessoas. Dezenas de outros acidentes aconteceram em 2006, depois que o nível de água aumentou novamente. Já em 2007, um ônibus foi engolido por um deslizamento. Os mecanismos em ação quando o represamento provoca deslizamentos de terra são similares ao que causam abalos sísmicos (terremotos). Mas no caso de tremores de terra, os efeitos acontecem por debaixo da superfície.
Até recentemente o pior terremoto atribuído à atividade de uma represa aconteceu na porção ocidental da Índia, em 1967. Três anos depois de completada a construção da represa Koyna, um terremoto atingiu a magnitude de 6,5, matando 180 pessoas. O fenômeno de terremotos provocados por uma represa é conhecido como sismo induzido por reservatórios e, basicamente, eles ocorrem quando uma represa é construída e seu reservatório é cheio com água, pois a pressão equivalente exercida na terra naquela área muda drasticamente: quando o nível de água chega ao limite, a pressão no solo aumenta; quando o nível de água abaixa, a pressão também diminui. Essa variação causa um estresse no delicado balanço das placas tectônicas debaixo da superfície, podendo levá-las a se mover.
Outro fator é a própria água. Quando a pressão da água aumenta, mais água penetra no solo, preenchendo rachaduras e fissuras no local. Toda essa pressão da água pode expandir essas rachaduras e criar novas fissuras nas rochas, causando instabilidade no solo. Além disso, conforme a água se aprofunda pode agir como lubrificante para as placas rochosas que estão presas apenas pela fricção. Essa lubrificação pode causar o deslizamento dessas placas.
A represa chinesa Zipingpu, tem profundidade equivalente a um edifício de 50 andares e armazena mais de um bilhão de metros cúbicos de água vindos do rio Minjiang. O peso e as características de lubrificação daquela água podem ter desencadeado o terremoto em 2008.
No caso de terremotos, é difícil atribuir culpa a represas. Só um detalhado estudo científico pode apontar exatamente o que acontece debaixo da superfície. Cientistas acreditam que são necessárias mais pesquisas e programas de monitoramentos sísmicos antes de se afirmar que uma barragem está diretamente relacionada a tremores de terra.
Entretanto, o que se sabe é que uma represa não pode causar um terremoto isoladamente. Os fatores de risco, especificamente falhas instáveis, já devem estar no local. Embora sob certas condições do local, uma represa possa causar danos mais cedo do que ocorreria naturalmente, e talvez aumentar sua intensidade.
Construir uma represa sobre uma falha geológica conhecida não é recomendado. Esse é o motivo porque muitos cientistas advertem sobre os terríveis resultados na Hidrelétrica Três Gargantas, com a construção sobre falhas em Jiuwanxi e Zigui.
"Se fazem a hidrelétrica como fica a cultura do índio? Alguém vai trazer comida aqui Não. Ninguém vai trazer. Isso é a preocupação de a gente. ‘A gente espera que daqui para amanhã não vai acontecer isso, porque quem vai sofrer e os nossos filhos. Vai ter falta de peixe, falta de caça". Valmir Parintintin, Líder de uma comunidade indígina. (2008)
Hoje:
Peixes do Madeira desaparecem como os cientistas previram. Depois vem Belo Monte
Os peixes do rio Madeira estão desaparecendo. E as causas desse desaparecimento são sistêmicas, conseqüência de uma grande intervenção humana no ecossistema do rio, que os cientistas haviam previsto que teria impacto dramático sobre a população de peixes do rio. E é isso que está ocorrendo neste momento, como revelou a “Folha de S.Paulo”, os peixes do rio Madeira já sumiram na região do lago da hidrelétrica de Santo Antônio; outra hidrelétrica está em construção, chamada Jirau, com danos cumulativos previstos há pelo menos seis anos.
As decisões que levaram ao desaparecimento da população de peixes do rio Madeira foram tema de discussão longa nos anos anteriores, com envolvimento de inúmeros cientistas especializados em clima, em hidrografia e ictiologia (estudo dos peixes) e o que está acontecendo foi previsto naqueles relatórios, mas o presidente da República e a ministra da Casa Civil mandaram atropelar os estudos e tocar as obras.
E o que acontece agora no Madeira é uma sombra sobre os argumentos do governo em relação à próxima vítima, o rio Xingu e Belo Monte.
Pense o seguinte: de todos os rios deste planeta, em todos os países de todos os continentes, o rio Madeira é o 17º. maior. E os seus peixes estão desaparecendo como mostrou a “Folha de S.Paulo” no domingo, 8/1. A causa dessa destruição foi a decisão do governo brasileiro de construir duas grandes hidrelétricas naquele rio sem levar em consideração de fato os relatórios ambientais que alertavam para o risco de que a obra poderia dizimar a fauna do rio e por conseqüência toda a economia formada naquela região da Amazônia em torno da pesca artesanal.
O rio Madeira é um dos afluentes do rio Amazonas, com uma fauna tão peculiar e rica que é dos únicos rios do mundo de que se pode dizer que tinha uma espécie animal rara completamente exclusiva de suas águas: o boto vermelho do rio Madeira. Sobre essa espécie, ameaçada, ainda não há estudos sobre o que aconteceu nos últimos meses. Mas o jornal revelou em sua reportagem do dia 8 que se inviabilizou a pesca dedicada a uns tantos tipos de peixe (chamados genericamente de “bagres”), que gerava 29 mil toneladas/ano de pescados. São estes peixes que “sumiram” segundo o relato dos pescadores ao jornal. Esta atividade econômica acabou.
Fonte : O Observador Político
O Brasil dispõem de recursos ofertados pela Natureza privilegiados, mas se extinguirem-se estes recursos pela falta de planejamento apropriado e o cumprimento responsável sem poupar investimentos para este fim, as próximas gerações da humanidade é que arcarão com o ônus.
A energia sem dúvida é fundamental, mas isto não significa que deva acontecer apenas visando lucros, sem o devido respeito a natureza e sua sobrevivência. Por exemplo, nações com compromissos financeiros para o próximo ano como a Alemanha (US$ 2,35 billhões) França (US$ 2,6 bilhões), Suécia (US$ 400 milhões) e Reino Unido (US$ 2,9 bilhões), embora ainda longe dos US$ 60 bilhões propostos inicialmente para o período de 2013-2015, estão em busca de alternativas de energias sustentáveis (solar, eólica)
Este vídeo demonstra o conhecimento de tamanha responsabilidade, mas na prática infelizmente a execução dos projetos não correspondem ao que se vê na propaganda...
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