Conferência produziu forte mobilização da comunidade científica, mas texto final gerou frustração por cortar temas importantes
Segundo cientistas, tema da biodiversidade recebeu muito pouca atenção no documento final da Rio+20
São Paulo - A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) mobilizou a comunidade científica e foi palco de discussões que revelaram avanços sem precedentes no conhecimento sobre os limites do planeta – conceito indispensável para determinar uma agenda dedicada à sustentabilidade global.
No entanto, nada disso se refletiu no documento final da conferência, intitulado “O Futuro que queremos”, que teve até mesmo o termo “ciência” cortado do único tópico onde aparecia com destaque, de acordo com cientistas reunidos no dia 23 de agosto no 2º Workshop Conjunto BIOTA-BIOEN-Mudanças Climáticas: o futuro que não queremos – uma reflexão sobre a Rio+20.
O evento, realizado na sede da Fapesp, reuniu pesquisadores envolvidos com os três grandes programas da Fapesp sobre temas relacionados ao meio ambiente – biodiversidade (BIOTA-Fapesp), bioenergia (BIOEN) e mudanças climáticas globais (PFPMCG) – com a finalidade de fazer uma avaliação crítica dos resultados da Rio+20, especialmente no que diz respeito às perspectivas de participação da comunidade científica nas discussões internacionais nos próximos anos.
De acordo com Carlos Alfredo Joly, coordenador do Programa BIOTA-Fapesp, a comunidade científica brasileira e internacional se mobilizou intensamente durante a Rio+20 e chegou à conferência preparada para fornecer subsídios capazes de influenciar a agenda de implementação do desenvolvimento sustentável.
“Nada disso se refletiu na declaração final. Chegou-se a um documento genérico, que não determina metas e prazos e não estabelece uma agenda de transição para uma economia mais verde ou uma sustentabilidade maior da economia”, disse Joly.
A maior esperança dos cientistas para que a conferência tivesse um resultado concreto, de acordo com Joly, era que o texto final reconhecesse, já em sua introdução, o conceito de limites planetários, proposto em 2009 por Johan Rockström, da Universidade de Estocolmo. A expectativa, porém, foi frustrada.
“De 1992 até hoje, tivemos um grande avanço no conhecimento em relação aos limites planetários e o trabalho de Rockström já se tornou um clássico. Destacar isso no texto final poderia contribuir para uma mudança de paradigmas que definiria uma nova trajetória para o planeta. Mas isso não foi feito”, disse.
Rockström, do Stockholm Resilience Centre Planetary, participou do workshop por meio de videoconferência, e apresentou palestra sobre o tema “Planetary boundaries are valuable for policy”.
O fato do avanço do conhecimento científico não estar refletido no documento, entretanto, não deve ser usado como argumento para desestimular a comunidade científica que trabalha nessa área ambiental, segundo Joly.
“Para nós que trabalhamos com a biodiversidade, a prioridade agora volta a ser a discussão sobre o veto às mudanças no código florestal, uma questão que ainda está em aberto”, disse.
O tema da biodiversidade, segundo Joly, recebeu muito pouca atenção no documento final da Rio+20, embora seja uma das áreas em que os limites planetários de segurança já foram extrapolados.
“Praticamente todas as referências à biodiversidade foram cortadas do texto. O documento zero, que foi o ponto de partida para a declaração, tinha seis parágrafos sobre a biodiversidade nos oceanos, por exemplo. Não sobrou nenhum”, afirmou Joly, que é titular do Departamento de Políticas e Programas Temáticos (DEPPT) da Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Conteúdo vago
Paulo Artaxo, membro da coordenação do PFPMCG, destacou que as menções à questão das mudanças climáticas também foram quase nulas. “O texto final da Rio+20 tem 53 páginas, divididas em 283 tópicos. Desse total, apenas três tópicos mencionam a questão do clima. Para se ter uma ideia, há seis tópicos sobre igualdade de gênero e dez sobre lixo químico – que são temas importantes, mas não envolvem a mesma escala e urgência do problema do clima”, disse.
Além da escassez, o conteúdo das menções à questão do clima é muito vago, segundo Artaxo. “O texto se limita a afirmar que as mudanças climáticas estão entre os maiores desafios do nosso tempo e que o tema gera preocupação, por exemplo”, disse.
Para o pesquisador, no entanto, seria ingenuidade acreditar que a conferência poderia trazer soluções imediatas para a questão da sustentabilidade global. A oportunidade perdida na conferência foi a de contribuir para acelerar as decisões necessárias.
“O problema é enorme e envolve todo o sistema de produção que roda a economia e a política de todo o nosso planeta. Uma questão desse porte não pode ser resolvida em uma única reunião, ou mesmo em uma década. O equacionamento vai demorar pelo menos mais 10 anos – o nosso problema é que não temos todo esse tempo”, disse.
Para Artaxo, a Rio+20 evidenciou que o mundo se ressente da falta de governança para lidar com a questão do clima global. “Não temos entidades que possam implementar políticas globais com impacto importante na economia do planeta para enfrentar os desafios do clima. Se é difícil reduzir emissões de CO², poderíamos tentar reduzir as emissões de metano e ozônio, por exemplo. Mas isso exige um sistema de governança que a Rio+20 mostrou claramente não existir”, afirmou.
Fábio Feldman, do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas, apontou que a falta de liderança pode ter comprometido os resultados da Rio+20. Segundo ele, a Rio92 (ou ECO-92), por exemplo, obteve mais sucesso porque na época o interlocutor brasileiro com os chefes de estado foi o físico José Goldemberg.
“Se perguntarmos aos diplomatas brasileiros, dirão que Rio+20 foi um grande sucesso, porque para eles o importante era chegar a um documento final, mesmo que inócuo. O fato do professor Goldemberg não ser um diplomata foi um fator importante para o sucesso da ECO-92”.
Feldman afirmou que, apesar de tudo, fora da reunião de alto nível, a Rio+20 contou com iniciativas importantes, como a participação ativa do setor empresarial e a mobilização da comunidade científica para criar o programa Future of Earth.
Alice Abreu, coordenadora da Iniciativa Rio+20 do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU, na sigla em inglês), fez um balanço das atividades do "Forum on Science, Technology and Innovation for Sustainable Development” – o principal evento científico realizado em paralelo à conferência.
“O evento teve mais de mil participantes, além de outros mil que acompanharam pela internet. Foram 11 sessões temáticas, onde 110 cientistas de 75 países discutiram temas centrais para o desenvolvimento sustentável. Houve ainda 24 eventos paralelos que congregaram cerca de 100 palestrantes. Tivemos duas sessões de política científica e a sessão de encerramento foi um diálogo de alto nível entre representantes da ciência e da política”, contou.
O fórum foi o palco do lançamento do Future Earth, uma iniciativa internacional de pesquisa interdisciplinar do sistema terrestre para a sustentabilidade global.
“O objetivo é prover, nos próximos dez anos, o conhecimento necessário para que as sociedades possam enfrentar os riscos das mudanças ambientais e desenvolver transições adequadas para uma sustentabilidade global”, disse.
Segundo Abreu, além da iniciativa concreta do programa Future Earth, o fórum contou com debates entre os cientistas, que geraram recomendações importantes para a agenda mundial da sustentabilidade global.
“Duas recomendações foram centrais: uma maior colaboração entre as ciências naturais e as ciências sociais – tema debatido em praticamente todas as sessões – e uma política científica mais integrada com outros atores, de forma a estabelecer um novo contrato entre ciência e sociedade”, afirmou.
Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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