Um país que precisa de mais energia elétrica para crescer pode abrir mão da água como sua principal fonte de geração?
Itaipu é responsável por gerar 17% da energia consumida no Brasil. Durante sua construção, foram removidas mais de 40 mil pessoas e uma grande área foi alagada. Mas, hoje, a renda per capita da população de Foz do Iguaçu é 25% maior que a média nacional
Em 22 de agosto de 1889, a água do rio Paraibuna girou pela primeira vez uma das duas turbinas importadas dos Estados Unidos compradas para a usina de Marmelos, na cidade mineira de Juiz de Fora. Naquele dia, eram gerados os primeiros watts-hora (Wh) de energia hidrelétrica da América Latina. A usina foi construída pelo industrial mineiro Bernardo Mascarenhas, que, ao visitar a Exposição Universal de 1878, em Paris, decidiu construir uma tecelagem que seria abastecida com energia de origem hidráulica. Meses depois de inaugurada, a primeira hidrelétrica brasileira passou a fornecer eletricidade para manter acesas 180 lâmpadas da iluminação pública de Juiz de Fora, antes alimentada a gás.
Dos primeiros 250 quilowatts de potência na usina Marmelos aos atuais 84.736 megawatts (MW) de capacidade hidrelétrica instalada no Brasil passaram-se mais de 120 anos e, apesar dos avanços tecnológicos e do tamanho das novas usinas, gerar eletricidade da água continua sendo basicamente igual: a força contida na correnteza dos rios movimenta uma turbina acoplada a um gerador, que transforma energia mecânica em elétrica.
Mas nunca na história deste país as hidrelétricas causaram tanta polêmica como agora. O centro da atual discussão é a construção da usina de Belo Monte, no Pará, a ser erguida às margens do rio Xingu. A obra, cujo preço é estimado em 32 bilhões de reais, deverá ser a terceira maior hidrelétrica do mundo – atrás apenas das de Três Gargantas, na China, e Itaipu, no Brasil – e criou dois times que lutam em campos opostos. No grupo dos especialistas, dos analistas econômicos e do próprio governo, apenas grandes hidrelétricas serão capazes de fornecer energia limpa e barata em escala suficiente para satisfazer a demanda crescente por luz elétrica no país. No time dos ecologistas e dos ativistas sociais, os ganhos são bem menores em comparação ao rastro de destruição que elas deixam para o meio ambiente, para as populações indígenas e para as comunidades ribeirinhas. Entre os dois pontos de vista, há um fato e um dilema: o Brasil é o país com o maior potencial hidrelétrico do mundo, com mais de 260 mil megawatts já catalogados. Apenas um terço disso é explorado. A riqueza dos rios brasileiros para geração de eletricidade é uma bênção da natureza ou uma maldição, que nos acompanhará por todo o século 21?
Poucos países no mundo desfrutam de um sistema hídrico tão generoso quanto o nosso. Os livros escolares apontam que 55.455 quilômetros quadrados (do total de 8.514.876 quilômetros quadrados que compõem a área do território brasileiro) estão cobertos por água, distribuídos em rios, lagos e riachos. É a abundância de rios e quedas-d’água que produz o enorme potencial de energia hidráulica. Hoje, estão em operação mais de 180 grandes usinas, responsáveis por quase 70% da produção nacional de energia elétrica. Isso também faz do país o segundo maior produtor de energia hidrelétrica no mundo, com 12% da geração mundial, perdendo apenas da China. Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia, outros 73 projetos hidrelétricos estão em construção, incluindo as pequenas centrais. E mais 24 estão programados até 2020. A lista de projetos deve atender à crescente demanda. Estima-se que até aquele ano o consumo no Brasil deva atingir 730 mil gigawatts-hora (GWh) – 52% a mais do que consumimos em 2011.
Até 2020, o Brasil terá de ampliar a capacidade de geração dos atuais 115 mil megawatts para 171 mil megawatts. Para cumprir essa meta, o governo federal aposta na expansão de diferentes matrizes de produção. A geração de energia nuclear, que, no passado, era o alvo preferencial dos ecologistas, deverá crescer 70% com a entrada em operação da usina Angra 3, prevista para 2016. Os investimentos também serão generosos na promissora alternativa eólica. Mas, mesmo com essa diversificação e o aumento de capacidade de outras fontes, mais da metade da expansão energética se dará por meio das grandes hidrelétricas. Serão acrescidos ao sistema mais 30 mil megawatts – potência suficiente para abastecer as regiões Norte e Nordeste juntas. Para pânico dos ambientalistas, quase toda a nova capacidade instalada deverá ocorrer na região amazônica.
por Fabiane Stefano
Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL
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