- Cientistas apontam restrições e exigências legais como uma barreira à pesquisa
O caminho de transformar a rica flora brasileira em conhecimento científico e benefícios sociais, incluindo para comunidades tradicionais, como indígenas ou quilombolas, vem sendo permeado no Brasil por sofrimento, desestímulo à pesquisa e muita confusão. O problema da bioprospecção, como é chamada a busca da química da natureza para uso industrial, é que leis - e suas interpretações - que deveriam prover garantias e equilíbrio neste setor estratégico estão emperrando as pesquisas e deixando o Brasil em atraso. Uma situação que não confere com as enormes possibilidades de sua exuberância biológica, mas que, apesar da grita de pesquisadores para ajustes melhores, o assunto vai passar longe da Rio+20, a cúpula mundial que começa nessa quarta-feira (13) e cuja primeira edição, em 1992, criou a primeira tentativa de se legislar em nível global sobre os recursos biológicos, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).
No Brasil, o problema é apontado para a medida provisória 2.186-16, editada em 2001, e que regula a bioprospecção sob os conceitos de justiça e ética - a partir da Eco-92, os 175 países signatários do acordo global criaram leis próprias sob as linhas gerais da CDB. A lei brasileira, como as de outros países, é a tentativa de garantir a soberania do Estado sobre os recursos biológicos, combater a biopirataria e dar equilíbrio entre as partes envolvidas nessa busca no mato de substâncias utilizáveis pela civilização - ou seja, os pesquisadores, indústria, principalmente a farmacêutica, e quase sempre uma comunidade tradicional que detém algum conhecimento de uso (em geral medicinal) das plantas e outros materiais biológicos (fungos, animais, micróbios etc.). Mas o que era para fomentar uma atividade estratégica, acabou por criar grandes barreiras.
"Desisti e até onde sei todos os químicos ligados à Sociedade Brasileira de Químicos desistiram", diz a pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Cecília Nunez, sobre as tentativas que fez de bioprospecção. Procurada por índios que queriam o registro de um uso de uma planta, Cecília por três vezes não conseguiu seguir com a pesquisa ao esbarrar nas exigências pedidas pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, que autoriza ou não o projeto de pesquisa baseando-se na MP 2.186-16.
Uma das exigências foi ata da assembleia que elegeu o líder indígena, o que, lembra a pesquisadora, não existe já que, por tradição, a eleição é em uma reunião, mas feita oralmente apenas; outra exigência foi a titularidade das terras onde os índios viviam. "É um desconhecimento da realidade dos índios. Quem se quer proteger com uma lei e exigências dessas? Como ter a assinatura do titular da área num país com os enormes problemas fundiários que temos?", revolta-se a pesquisadora se referindo à grilagem e ocupação irregular de terras e à morosidade na homologação de terras indígenas.
Os índios que a procuraram têm o território reconhecido, mas não homologado e foi para regularizar o registro da terra que ofereceram o conhecimento de uso das plantas - eles viram na tevê que se obtivessem um registro de planta, facilitaria obter o da terra. Mas continuam sem a titularidade da terra e agora também sem qualquer benefício que poderia surgir da bioprospecção, um dos objetivos tanto da CDB, quanto da MP, que prevê 'repartição de benefícios' entre as partes envolvidas na atividade.
Flexibilização
"Isso é contra o país, é uma lei apátrida", diz Cecília sobre a MP, da qual pede uma flexibilização - segundo ela, houve tentativa com novas regras, mas de nada refrescou a labuta. "Uma tragédia, pois as próprias instituições nacionais encarregadas de produzir conhecimento, de contribuir com o melhoramento e superação de dificuldades não podem fazer pesquisa e pior podem ser identificadas como criminosas."
O prejuízo de tanto bate-cabeça é sobretudo para a pesquisa brasileira, diz a pesquisadora, que pede - há um bom tempo - flexibilização para que de fato a lei fomente (e não proíba) a bioprospecção ética. "As multinacionais têm fortes laboratórios de pesquisas em suas matrizes. É a ciência nacional que perde espaço, com isso não conhece a realidade do próprio país e não consegue formar profissionais à altura dos desafios da ciência, da sociedade e da natureza brasileira."
A pesquisadora lembra que, ao final do processo, o que se comercializa não é a planta, mas a molécula de seu princípio ativo reproduzida em laboratório - algumas chegam a valer mais que o grama de ouro no mercado internacional, lembra Cecília. "O país não deu um salto qualitativo no desenvolvimento das ciências, ainda importamos medicamentos, por exemplo, e até hoje não temos um medicamento totalmente nacional; o único que se tem até o momento é uma pomada antiinflamatória que é considerada um medicamento fitoterápico, é um óleo essencial padronizado, cuja legislação é diferenciada da legislação para autorizar um medicamento alopático", diz Cecília.
Diante de possibilidades de dimensões amazônicas para a pesquisa, a pobre situação brasileira, para ela, é uma "afronta à inteligência nacional e aos institutos de pesquisa e universidades, que não podem exercer sua função constitucional", já que o impedimento das pesquisas tem sido quase a regra.
Além de não gerar tecnologia, conhecimento, saúde e nem dividendos para o país, os conflitos na bioprospecção também tira das comunidades sua autonomia sobre um bem que é tanto cultural, quanto biológico. "Não raro as comunidades demandam pesquisas em suas localidades, mas não podemos realizá-las, o que é uma ultraje às próprias comunidades que não tem sua autonomia reconhecida, há tutela de alguma instituição para dizer o que pode ou não, independentemente dos desejos dos comunitários."
Tempo e Dinheiro
A participação de comunidades tradicionais na bioprospecção é fundamental para a indústria, embora no jogo de mercado os donos do conhecimento original quase sempre ficam de mãos abanando. Números de mercado citados em tese defendida na Unicamp por Andréia Mara Pereira, mostram que 70% das drogas derivadas de plantas foram desenvolvidas graças ao conhecimento de comunidades tradicionais, mas o retorno financeiro dessas patentes para a comunidade é em torno de 0,0001%.
Graças a conhecimento tradicional, a indústria economiza tempo e muito dinheiro - segundo estatísticas da Pharmaceutical Research and Manufacturers of America, também citados na tese da Unicamp, sem o conhecimento de comunidades tradicionais, uma pesquisa para pode levar até 12 anos (e ainda chegar a lugar nenhum) com um custo de até 800 milhões de dólares. Com a bioprospecção associada a conhecimento tradicional, a economia pode chegar a 70 milhões de dólares.
A situação provocada pelas leis significa perda para as culturas tradicionais e de novos horizontes tecnológicos e científicos. "Sob o aspecto econômico é uma perda de milhões de reais, fora as oportunidades de emprego e fixação de renda que não podem ser produzidas. Há países que não tem metade de nosso tamanho e de nossa biodiversidade que são líderes em medicamentos e em fitoquímica, o Brasil não é. Precisa de uma infra-estrutura adequada para tal, assim como uma rede de laboratórios bem equipados, trabalho multidisciplinar, uma política específica de legislação e de fomento financeiro, fortalecimento dos institutos de pesquisa que trabalhem de forma contínua, ininterrupta e que não dependam unicamente de editais de fomento. Não é possível aceitar que o Brasil não seja líder ou referencial mundial em fitoquímica da biodiversidade tropical somando-se à carência de tecnologias de ponta ligadas à química de produtos naturais; a situação é complicada não conhecemos nem as cadeias produtivas básicas de nossos produtos da biodiversidade."
Por Aray P Nabuco
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