A Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama decidiu, hoje (20), adiar por duas semanas as audiências públicas sobre a construção da Usina Hidrelétrica São Manoel, agendadas entre 22 e 25 de outubro, em Paranaíta e Alta Floresta, em Mato Grosso, e Jacareacanga, no Pará. A decisão é consequência do protesto da etnia Kayabi que fez reféns funcionários da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e técnicos da Fundação Nacional do Índio (Funai) em protesto contra as obras no rio Teles Pires.
A EPE pretende licitar a usina em leilão marcado para o dia 20 de dezembro. As audiências do Ibama deveriam discutir o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) do empreendimento com as comunidades afetadas.
Cacique Kawaip Kayabi
Taravy Kayabi, liderança indígena da Terra Indigena Kayabi, divulgou uma nota explicando o motivo do protesto. Ele diz que os índios tomaram medidas radicais com o objetivo de serem escutados. "Como deve ser do conhecimento de vocês estamos sendo atropelados pelo Governo que pretende construir várias barragens no entorno de nossa terra" - frisou o líder.
O índio relatou que a comunidade aceitou fazer parte dos estudos e que tem procurado manter diálogo com os empreendedores e a Funai, preocupados, notamente, segundo ele, com os impactos que causarão as obras na vida dos índios. "Mas estamos sendo sumariamente desrespeitados. Já estamos vendo a barragem de Teles Pires ser construída e até agora, mesmo após a licença de Instalação nenhum programa nos foi apresentado".
O kayabi acrescenta: "Mal pudemos saber melhor desse processo e agora o governo quer fazer audiência pública de São Manoel sem que os estudos na terra indígena tenham terminado. O próprio antropólogo nos contou que tem somente uma semana para apresentar o estudo. Por isso tomamos a decisão, junto com as lideranças Apiacá e Munduruku".
Os índios aprisionaram na aldeia quatro representantes da Funai, dois de Brasília e dois coordenadores técnicos, dois representantes da EPE e o antropólogo responsável pelo estudo. Eles ficarão presos "até que o governo venha em nossa aldeia para conversar".
Taravy diz que tudo tem sido muito acelerado para construir essas barragens. Em contrapartida, as principais reivindicações dos índios não tem sido atendidas. No protesto, ele cita a demarcação da terra kayabi." Dissemos não a essas barragens e queremos que essa audiência não aconteça com a pressa que o governo quer. Seria muito importante que a imprensa soubesse dessa nossa ação e pedimos para que eles venham acompanhar nossa reivindicação e para que tudo aconteça de forma pacífica.”
As três audiências públicas tinham o objetivo de discutir o Estudo de Impacto Ambiental - EIA e Relatório de Impacto Ambiental - RIMA do Aproveitamento Hidrelétrico São Manoel, com capacidade instalada de 700 MW. A barragem da usina ficará a aproximadamente 1.200 metros acima da foz do Rio dos Apiacás. O barramento formará um reservatório com área total de 63,96 km², que atingirá área dos municípios de Paranaíta, em Mato Grosso, e Jacareacanga, no Pará.
Fontes:
Agência Brasil
Redação 24 Horas News
Saiba um pouco da etnia Kaiabi
Os Kaiabi, em sua maioria, habitam atualmente a área do Terra Indígena Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso. Falam uma língua da família do tupi-guarani. A quase totalidade dos Kayabi que habitam o Parque do Xingu e são bilíngües e dominam, bem o português.
O perfil do líder Kaiabi sofreu algumas transformações nas últimas décadas. O contexto no qual ocorreu a formação das grandes aldeias multi-familiares também foi palco do surgimento de um novo tipo de chefe. No lugar do antigo wyriat, homem velho e aguerrido, cabeça de uma grande família extensa, origem mesma de sua autoridade (Grünberg 1969: 126), encontramos agora jovens líderes cuja principal característica é a maior desenvoltura no relacionamento com os brancos. Este talvez seja o principal papel do novo líder, o de mediador entre índios e brancos e, conseqüentemente, meio de acesso aos bens e serviços da sociedade envolvente agora tornados uma necessidade. Contudo, esta aparente transformação preservou certos princípios estruturais anteriores. Assim como o antigo chefe, o novo líder deve 'cuidar' de seus seguidores e seu poder está baseado em sua habilidade como mediador. Basicamente, sua autoridade advém de sua habilidade, dinamismo e iniciativa na relação com os brancos. Segundo alguns informantes, a chefia teria sido uma posição transmitida em linha paterna para o primogênito. Não há, porém, informações seguras a este respeito.
Todo humano, assim como muitos animais, possui uma ai'an, conceito que podemos traduzir aproximadamente por "alma". Os homens não são dotados automaticamente de uma ai'an ao nascerem. Eles a recebem junto com o nome, o que os incorpora de fato à sociedade em que vivem. Os que não recebem esta alma não se tornam humanos, são apenas seres empalhados, um invólucro sem vida (Grünberg 1970: 155).
Os Kaiabi sempre tiveram muitos xamãs. O xamanismo desempenha um papel fundamental no modelo de sociedade ideal concebido por eles. Os xamãs são os intermediários entre o mundo natural e sobrenatural. De uma maneira geral, podem ser vistos como restauradores de situações sociais tomadas como desajustamentos no curso normal da existência (Travassos 1984: 183). A iniciação xamânica é tida como uma viagem empreendida por ocasião de uma doença grave ou acidente, um momento liminar entre o plano da realidade cotidiana e o da realidade sobrenatural.
Os Kaiabi são um povo tradicionalmente guerreiro, como se depreende de suas narrativas míticas, de suas histórias de guerras passadas, de sua vida ritual e dos depoimentos de brancos que com eles tiveram contato. O mais importante momento de sua vida ritual era a celebração do Yawaci, época em que várias aldeias se reúniam para ouvir os cantos dos guerreiros. Este ritual estava associado à morte de um inimigo e posterior quebra dos ossos de seu crânio, sendo condição de iniciação dos jovens guerreiros. Embora atualmente não haja mais guerras, nem cabeças de inimigos, os Kaiabi têm voltado a realizar o Yawaci. Como observou Elisabeth Travassos, em um contexto de recuperação étnica, eles teriam escolhido este ritual como o mais apropriado para representar a imagem que mais prezam de si mesmos e com a qual mais se identificam, a de guerreiros.
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